Era apenas mais uma manhã fria de primavera, como tantas outras. Mas, enquanto em alguns caminhos aparecem pedras, como disse o poeta, uma mulher encontrou um ser vivo, frágil e carente em seu caminho: um cachorro de rua. A mulher parou, confortou o animal e não pensou duas vezes: retirou o echarpe que a protegia da baixa temperatura e agasalhou o peludo.
O episódio ocorreu em Zonguldak, uma cidade de 200 mil habitantes no norte da Turquia, na região do mar Negro. A mulher, envolvida em suas ocupações cotidianas, não imaginou que o gesto solidário pudesse estar sendo observado, em meio a tantos transeuntes que se deslocavam para o trabalho ou a escola naquele começo de dia. Mas ela estava errada.
Câmeras de segurança flagraram a mulher deixando um café em Zonguldak, procurando se proteger do frio e da chuva que marcavam aquela manhã. Ao passar pela porta, esse anjo encarnado percebeu a presença de um ser quase invisível: um cachorro de rua.
O animal estava incomodado, buscando em vão se proteger do mau tempo. A única proteção que o cachorro tinha era a estreita marquise do prédio em que o café está instalado, que não impedia que a água da chuva se acumulasse na pelagem.
Em vez de seguir o seu caminho, a mulher parece ter sido cativada pela presença de um animal tão desprotegido. Ela se ajoelhou, largou o guarda-chuva na calçada, fez um rápido carinho e tirou o echarpe que a protegia do frio, para agasalhar o peludo. A gravação tem menos de um minuto, mas a boa samaritana acabou se tornando conhecida por muita gente ao redor do mundo.
O vídeo foi postado nas redes sociais e recebeu milhares de likes em poucas horas. A gravação se tornou viral e muitos internautas comentaram o gesto despretensioso e simples, mas que pode ter significado o conforto para o cachorro, pelo menos por algumas horas.
O material também foi veiculado na mídia local. Uma emissora de TV exibiu as imagens e acrescentou a seguinte legenda: “A humanidade não está morta”. Um amigo reconheceu a jovem que, sem poder oferecer mais para o cachorro, deu o echarpe para agasalhá-lo.
A mulher do vídeo chama-se Duygu Elma. A imprensa local conseguiu localizá-las e, aos repórteres, ela se disse surpresa com a repercussão: “Parecia a coisa certa a ser feita naquele momento. Eu não poderia imaginar que a minha ação chamaria tanta atenção. O dia estava frio e eu simplesmente não aguentei quando o vi tremendo na minha frente”.
Apesar de a interação com o cachorro de rua ter terminado com a doação do echarpe, Elma disse ainda que está otimista de que outras pessoas também possam ajudar o vira-lata. De qualquer maneira, ela afirmou estar feliz porque seu gesto pode inspirar muita gente a também ter pequenos gestos de carinho e cuidado para aliviar o desconforto e o sofrimento dos animais de rua.
Apesar de ser um país com uma grande população de animais de estimação, a Turquia tem muitos animais abandonados – na maioria, cães e gatos. O problema, que é também uma questão de saúde pública, é mais grave nas pequenas e médias cidades.
Mesmo assim, muitos bares e cafés oferecem alimento e abrigo para os peludos abandonados. Em Istambul, a maior cidade do país, até mesmo as estações do metrô reservam áreas para acolher cachorros e gatos, especialmente nos períodos mais frios do ano.
Em 2021, o governo turco proibiu a criação das chamadas raças perigosas – entre elas, o pit bull, o tosa e o dogo argentino. Muitos tutores, para escapar das multas, abandonaram os cachorros nas ruas e, meses depois, era possível deparar-se até mesmo com animais da raça kangal, um símbolo do país.
Dois anos mais tarde, o presidente turco Recep Erdogan instruiu as prefeituras do país a capturar os cães e gatos vadios e enviá-los para alguns santuários em áreas rurais – rapidamente, a população passou a chamar os espaços disponíveis de “campos de concentração”.
Atualmente, os tutores, ao adotar um cachorro ou gato, precisam inserir um microchip nos animais, conhecido no país como Havrita. O sistema permite localizar animais perdidos através de equipamentos de GPS. O que parecia ser um auxílio para encontrar cachorros fujões acabou se tornando um serviço de denúncias, como penalizações para os tutores desleixados.
Enquanto isso, pessoas como Duygu continuam fazendo a sua parte, mesmo que seja apenas um carinho e oferecendo um mínimo de conforto. Como disse a imprensa turca, enquanto houver pessoas agindo assim, “a humanidade não está morta”.
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