Descoberta na Sibéria levanta novas questões sobre a origem da domesticação canina
Enterrado por milênios sob o solo congelado da Sibéria, um filhote perfeitamente preservado emergiu do permafrost, intrigando cientistas e reacendendo o debate sobre a origem dos cães domésticos. Batizado de Dogor — que significa “amigo” em iacuto — o animal foi encontrado às margens do rio Indigirka, na remota República de Sakha, e pode representar uma espécie anterior à separação entre cães e lobos.
Um filhote congelado no tempo
Com apenas dois meses de vida quando morreu, Dogor impressiona por seu estado de conservação. Cílios, pelos macios e até os dentes de leite ainda estão intactos — um feito notável, considerando que sua morte ocorreu há cerca de 18.000 anos.
A descoberta ocorreu por acaso, quando moradores locais avistaram o corpo do filhote parcialmente exposto no gelo derretido. Rapidamente, cientistas da Universidade Federal do Nordeste, em Yakutsk, iniciaram os estudos e, com a colaboração do Centro de Paleogenética da Suécia, extraíram amostras de DNA da costela do animal.
Lobo, cão… ou algo mais antigo?
A grande questão desde o início foi: Dogor é um lobo ancestral, um cão primitivo ou uma espécie intermediária que desapareceu da Terra? A princípio, os pesquisadores esperavam uma resposta rápida. No entanto, os primeiros testes genéticos deixaram todos perplexos.
“Com os dados que temos hoje, diferenciar lobos e cães costuma ser simples”, explicou David Stanton, pesquisador do Centro de Paleogenética. “Mas, no caso de Dogor, os resultados foram inconclusivos.”
Essa incerteza levantou uma hipótese instigante: Dogor poderia fazer parte de uma linhagem extinta, anterior à separação entre lobos e cães.

O enigma da domesticação
A origem do cão doméstico é uma das grandes perguntas da história evolutiva humana. Sabe-se que os cães descendem dos lobos, mas o quando, onde e como isso ocorreu ainda está em debate.
Estudos sugerem que a domesticação pode ter ocorrido entre 15.000 e 40.000 anos atrás, talvez de forma espontânea — com lobos se aproximando de acampamentos humanos — ou por intervenção direta dos humanos, que poderiam ter criado filhotes selvagens.

Ainda mais incerto é o local da domesticação: algumas teorias apontam para a Europa, outras para a Mongólia ou a China. O material genético de Dogor, por não se encaixar nas linhagens conhecidas de lobos da Eurásia Oriental, levanta a possibilidade de que houve múltiplas domesticações ou até uma origem canina ainda desconhecida.
Novos testes e novas descobertas
Pesquisas genéticas mais recentes, conduzidas na Dinamarca e publicadas em 2022 na revista Nature, classificaram Dogor como um lobo ancestral. Ainda assim, essa conclusão não encerrou o mistério.

Mesmo com a ciência o posicionando no ramo dos lobos, seu DNA distinto e o momento em que viveu — próximo à separação evolutiva entre lobos e cães — mantêm Dogor no centro das investigações sobre a domesticação.
O impacto das mudanças climáticas nas descobertas
A cada ano, o avanço do aquecimento global e o derretimento do permafrost na Sibéria revelam mais fósseis de animais pré-históricos. Em Tumat, vila vizinha à do achado de Dogor, foi descoberto outro filhote de aproximadamente 12.400 anos, também com incrível preservação: órgãos internos ainda estavam intactos.
Esses achados não apenas ajudam a reconstruir o passado, como também mostram como o clima extremo pode agir como cápsula do tempo, preservando detalhes biológicos por milênios.
Um elo perdido entre dois mundos
Hoje, Dogor está preservado em um laboratório russo, ainda cercado de perguntas. Ele é símbolo de um período de transição na história natural: o momento em que animais selvagens começaram a formar os primeiros laços com os humanos.
Seja como lobo ancestral, cão primitivo ou uma linhagem há muito desaparecida, Dogor permanece como uma silenciosa testemunha da origem de uma das amizades mais antigas da Terra: a entre o homem e o cão.
Fonte: ilovemydogsomuch