Vira-lata caramelo: tudo sobre o cachorro

Ele é um símbolo dos cachorros SRD. Conheça tudo sobre o vira-lata caramelo.

O vira-lata caramelo está na ‘moda’. Ele se transformou em um símbolo dos cachorros sem raça definida que perambulam pelas ruas e praças brasileiras. Alguns têm a sorte de ter encontrado um tutor, uma casa, um lugar para chamarem de seu. Mas continuam simpáticos, leais, cheios de amor para dar.

Este cachorro é quase onipresente. É praticamente impossível não cruzar com um vira-lata caramelo no trajeto para a escola, o trabalho, o passeio, a casa. Alguns entusiastas deste cão SRD querem torná-lo um símbolo do país.

Já houve propostas inclusive de colocar a sua efígie em cédulas de real: uma petição com mais de dez mil assinaturas (coletadas na internet) sugeriu a troca das araras por vira-latas caramelo nas notas de dez reais.

Mas, por que este simpático vira-lata caramelo se tornou tão popular, a ponto de haver páginas em mídias sociais dedicadas a ele? Qual a diferença entre o vira-lata caramelo e outros cães mestiços, alguns tão mestiços que é quase impossível identificar traços de alguma raça canina reconhecida?

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As origens

Apesar do sucesso que fazem os cães com pedigree, dos minúsculos pinschers miniatura e chihuahuas aos gigantescos dogues alemães e rottweilers, a maioria dos cães brasileiros não tem raça definida.

Tecnicamente, são os cachorros SRD e vivem tanto nos lares, quanto nas ruas do país. Uma pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha, em 2010, revelou que mais da metade dos cachorros brasileiros são vira-latas.

As diferentes raças de cachorros são resultantes de cruzamentos seletivos, determinados pelos humanos. Alguns milhares de anos antes das descobertas da genética, nós já selecionávamos os cães de acordo com as suas características, para aproveitá-los em atividade diversas: caça, guarda das aldeias, combate, pastoreio, proteção de rebanhos, etc.

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Há alguns séculos, nós começamos a desenvolver também os cães de companhia: eles não são boas sentinelas, não são aptos para caçadas, não conseguem auxiliar em resgate: apenas fazem parte do nosso dia a dia.

Os vira-latas, no entanto, não seguiram este roteiro. Eles resultaram de cruzamentos espontâneos e guardam as características básicas dos primeiros cachorros que viveram com os humanos: são dóceis, afetuosos, ágeis, resistentes, leais e dedicados aos tutores.

Essa mistura de raças permitiu que os animais SRD se tornassem mais fortes, saudáveis e espertos do que os seus colegas de raça. Muitos cães desenvolvidos pelos humanos são portadores de certas doenças, outros exibem comportamentos específicos, mas os vira-latas são exatamente uma mistura de todas as qualidades esperadas nos cachorros.

A genética dos vira-latas

Um estudo vem sendo realizado por duas das mais importantes instituições de ensino acadêmico dos EUA: a Universidade Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Trata-se do “Muttmix Project”, iniciado em 2018. A pesquisa quer identificar “com quantas raças se faz um vira-lata”.

Os cães SRD ainda sofrem preconceito – por parte dos humanos; os animais não fazem ideia de que são desta ou daquela raça. Mesmo assim, os vira-latas são a preferência dos tutores, sejam eles caramelo, malhados ou mesmo “pretinhos básicos”.

Para entender como o cidadão americano encara os vira-latas, Harvard e MIT se associaram e organizaram o Projeto Muttmix. Os pesquisadores estão colhendo, há três anos, amostras de saliva de centenas de cães SRD, para traçar um perfil genético preciso dos ancestrais desses animais e saber exatamente qual mistura de raças deu origem a eles.

O objetivo da pesquisa é tentar identificar até que ponto é possível identificar as características físicas e comportamentais de um cachorro apenas observando os filhotes. Na segunda etapa, os pesquisadores usarão voluntários humanos que tentarão identificar, nas fotos dos animais cujo DNA foi rastreado, as origens.

Será que um cão de cara amassada tem um pug ou buldogue entre os seus avós? E um canzarrão branco e peludo, ele poderia ser neto de um old english sheepdog? Será possível que um filhote parecido com um pitbull seja rejeitado porque talvez se torne um animal agressivo? São estas e muitas outras as perguntas que os pesquisadores tentarão responder.

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O estudo vai além. Todos os padrões oficiais das raças caninas identificam o comportamento dos animais de acordo com a sua árvore genealógica. Mas os cientistas de MIT e de Harvard querem descobrir até que ponto esse comportamento é ditado pela genética ou pela convivência com os humanos.

Um exemplo simples: os dachshunds são conhecidos pela timidez e pelo hábito frequente de cavar buracos – que pode inclusive se tornar um comportamento compulsivo. Será possível que um SRD com 85% de genes do dachshund, mas sem o corpo comprido e as pernas curtas, também exibirá essas condutas?

Ou será que os simpáticos salsichas fazem essas coisas apenas porque nós os condicionamos a isso? No primeiro caso, estará constatada a influência da genética sobre a personalidade e o temperamento. No segundo, a interação social com os tutores será a principal causa dos comportamentos.

Os estudos vêm indicando que as condições ambientais são muito mais importantes do que a genética. Certamente, os cães de raça exibem características anatômicas comuns, mas o temperamento é ditado principalmente em função da interação com humanos. Em outras palavras, os cachorros fazem o que acreditam que nós queremos que eles façam.

O Projeto Muttmix também está concluindo que é praticamente impossível identificar visualmente as raças que compõem um cachorro SRD. Isso já trouxe mudanças nos EUA: alguns clubes de cinofilia passaram a exigir testes de DNA para certificar a procedência dos cachorros.

Então, se já é difícil descobrir os ancestrais de cães cuja mestiçagem envolve três ou quatro raças, imagine em relação aos vira-latas caramelo: eles vêm se desenvolvendo há gerações, majoritariamente em cruzamentos espontâneos.

A popularidade do vira-lata caramelo

É exatamente essa mistura quase indefinível que gerou a identidade própria do vira-lata caramelo. Ele não se parece com nenhuma raça específica, mas apresenta pequenos detalhes de várias delas. Um vira-lata caramelo é um “tudo junto e misturado”.

No entanto, é justamente esta dificuldade em identificar as origens que complica a vida dos vira-latas caramelo. Muitos candidatos a tutores procuram abrigos e escolhem animais porque se parecem com um pastor alemão, um poodle ou um beagle, porque eles são bonitos, fortes ou bons guardiães, por exemplo.

(Em geral, essas escolhas não são bem-sucedidas: os filhotes são quase sempre bonitos e fofos, mas isto não significa que a pelagem, cor e porte de um cão SRD possa ser identificada previamente. Muitos animais que se tornam grandes demais, desproporcionais ou desequilibrados acabam sendo abandonados.)

Com relação aos vira-latas caramelo, eles acabam tendo pouca aceitação, justamente por não exibirem as características valorizadas dos cães de raça. As orelhas lembram um cachorro, o focinho lembra outro, o porte não se parece com nada conhecido.

Esta é uma das razões por que há tantos vira-latas caramelo vagando abandonados pelas ruas: durante muito tempo, eles foram desvalorizados e preteridos por cães mais vistosos ou de aparência mais agressiva.

Um vira-lata caramelo normalmente tem porte pequeno para médio, pelos curtos e assentados, focinho e orelhas medianas. Visto de perfil, ele é quadrado ou levemente retangular. Como todo animal SRD, ele pode ter almofadas plantares mistas (rosadas e pretas), manchas na pelagem, falta de um ou mais dentes.

No entanto, os cães representantes estão se tornando “queridinhos” dos brasileiros de um momento para outro. Vira-latas caramelo ganham destaque nas redes sociais, aparecem em noticiários e até já apareceram em telenovelas.

A popularidade do vira-lata caramelo é tão grande que ele se tornou capa de revista. Um exemplar da raça estampou a capa e várias páginas internas da Vogue, uma das mais prestigiadas publicações sobre moda e celebridades, ao lado da tutora, a cantora Ariana Grande.

Animais SRD são comuns no mundo inteiro. Cães de raça também são abandonados e negligenciados; por isso, os cruzamentos indesejados acabam ocorrendo em qualquer lugar. Por outro lado, em cada região geográfica, os vira-latas acabam exibindo características comuns.

É o caso do vira-lata caramelo, que se tornou um símbolo brasileiro. O clima do país favorece a cor e a pelagem curta. O focinho alongado é uma característica da espécie (animais de cara achatada são exceções – e eles sofrem com problemas respiratórios).

O porte médio visto em boa parte dos vira-latas caramelo também é comum entre os cães urbanos, que têm o tamanho reduzido em função de condições objetivas, como oferta de alimento e de espaço para repouso e lazer.

Não é possível prever o futuro do vira-lata caramelo. É possível que neste momento alguns criadores estejam selecionando animais com características semelhantes – porte médio, focinho longo, pelo ocre curto, orelhas caídas – para transformá-lo em uma nova raça canina brasileira.

Se isto realmente ocorrer – e os cruzamentos seletivos tiverem sucesso –, o vira-lata caramelo será colocado ao lado do fila brasileiro e do fox paulistinha (terrier brasileiro), algumas das raças nacionais que obtiveram reconhecimento internacional.

Por enquanto, a popularidade do vira-lata caramelo é uma boa notícia para as ONGs que defendem os direitos dos animais e para as feiras de adoção: cães SRD, pela primeira vez, estão ocupando os primeiros lugares nas preferências dos novos tutores.

Além disso, muitas pessoas, acostumadas a verem cachorros nas ruas, passaram a se interessar pelos vira-latas caramelo que cruzam os caminhos diariamente. Alguns cidadãos já tiveram a iniciativa de providenciar água e ração para os animais abandonados.

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