Uma cachorra sem raça definida foi abandonada na rua e resgatada por uma moradora de poucos recursos financeiros, que ganha a vida como faxineira. A cadela é portadora de paralisia e se movimenta com grande dificuldade.
Este episódio ocorreu em Jardinópolis, uma pequena cidade do norte paulista, a 330 km da capital, e parece evocar um trecho do Evangelho: “Bem-aventurados os humildes, porque herdarão a terra”.
O caso lembra outra passagem bíblica, a oferta ao Templo de Jerusalém de um óbolo (esmola), por uma viúva sem recursos. Ao observar a atitude, Jesus disse aos discípulos: “Mesmo sendo tão pequeno o valor, ela ofereceu muito mais que todos; esta doação é muito preciosa aos olhos de Deus”.
O resgate
No final de mais um dia de serviço, a faxineira Suelen Bernardes Lopes resgatou uma cachorra abandonada. O animal sofre de paralisia e tem limitados os movimentos das pernas. O crime foi registrado pelas câmeras de segurança do local.
Nas imagens, é possível observar um carro parando junto ao meio-fio. Em seguida, o motorista abre a porta, deixa a cachorrinha sozinha na calçada e segue adiante em sua viagem. Vale lembrar que, de acordo com a lei nº 14.064/20, o abandono de animais de estimação, assim como os maus tratos e a negligência, é crime punível com dois a cinco anos de reclusão, além de multa.
Suelen estava no portão da casa em que trabalha, no bairro São Marcos, conversando com a proprietária. Da garagem, a faxineira pôde ver alguma coisa se movendo na calçada. Ao se aproximar, ela teve uma surpresa ao encontrar a cachorra, batizada provisoriamente de Neguinha.
O nome escolhido é bastante carinhoso. Em diversas regiões do país, chamar alguém de Neguinho e Neguinha é uma forma de demonstrar afeto e atenção. A cachorra tem pelagem clara, com algumas marcações cor de mel espalhadas pelo corpo.
Ao constatar a deficiência física, a faxineira não teve dúvidas: recolheu imediatamente a cachorra, limpou-a e providenciou um pouco de comida. O gesto simples, que salvou uma vida, chamou a atenção dos vizinhos e da imprensa de Jardinópolis.
Procurada por repórteres, Suelen declarou:
“Na rua, ela não ia ter segurança. Eu só pensei no bem-estar dela. Eu não iria conseguir dormir sabendo a cachorra estaria rastejando na rua, debaixo de chuva, com fome e frio.”
O gesto espontâneo de Suelen lembra os versos de Solano Trindade: “Se tem gente com fome, dá de comer”. Pode parecer bastante simples, mas, se não fosse a disponibilidade da faxineira, a cachorra estaria em maus lençóis, certamente correndo risco de morrer.
O vídeo registrado pela câmera de segurança não permite identificar a placa do veículo, mas Suelen fez questão de registrar um boletim de ocorrência na delegacia local. O caso está sendo investigado e a faxineira decidiu acolher a cachorra provisoriamente, levando-a para casa.
Ela não tem condições de manter a Neguinha, tanto por causa da falta de recursos, quanto de tempo. Suelen trabalha de segunda-feira a sábado e passa o tempo todo fora de casa. Ela entendeu que a cachorra precisaria de cuidados intensivos.
Um novo começo
A cachorra deficiente permaneceu sob os cuidados de Suelen por dois dias. O caso foi objeto de reportagem na TV local e atraiu muitas pessoas interessadas: o gesto da faxineira foi capaz de despertar bons sentimentos.
Uma ativista dos direitos dos animais, moradora em Ribeirão Preto (Jardinópolis pertence à região metropolitana da cidade) decidiu adotar Neguinha, que foi rebatizada como Frida. A nova tutora, por coincidência, também trabalha como faxineira.
Regina Maria da Silva, que se sensibilizou com a situação da cachorra abandonada, mantém um abrigo em Ribeirão Preto, onde já passaram cerca de 200 animais em situação de risco. Ela acolheu Frida assim que soube da notícia.
A ativista conhece bem a dificuldade em realocar cães e gatos, especialmente os doentes e idosos. Por isso, Regina resolveu adotar Frida, incorporando-a à sua família. Novamente, a cachorra com paralisia atraiu a atenção da imprensa, que colheu o seguinte depoimento da tutora:
“Os animais são especiais. Eles são anjos. Eles não têm nada de ruim, são puros, verdadeiros e devolvem o nosso carinho com tudo que eles têm de melhor, que é o amor puro que nós, seres humanos, não temos.”
Os repórteres constataram que Suelen também mora em Ribeirão Preto e faz faxinas em várias cidades da região. Ela já conhecia o trabalho de Regina e, quando foi contatada pela ativista, sentiu-se mais tranquila com relação ao destino da cachorra abandonada.
A ativista levou Frida a um consultório médico parceiro, onde recebeu uma boa notícia. A veterinária Mariana de Felício avaliou as condições da cachorra e acredita que a cachorra pode voltar a andar normalmente.
De acordo com a avaliação clínica, Frida ainda responde a estímulos nos membros, inclusive no quadril, onde foram identificadas algumas lesões, provavelmente causadas por um atropelamento – um acidente bastante comum em cães que vivem nas ruas.
A médica informou que Frida tem os reflexos diminuídos, mas eles estão presentes, o que pode permitir que ela volte a caminhar normalmente ou pelo menos tenha mais autonomia. A cachorra será submetida a sessões de fisioterapia, para recuperar os movimentos.
A Dra. Mariana constatou igualmente que Frida deveria ter um lar, porque não tem perda de massa muscular nem está infestada por carrapatos, condições muito comuns entre os animais de rua. A situação é frequente: alguns tutores identificam doenças nos pets, não têm condições para pagar o tratamento e simplesmente descartam os peludos.
Frida está feliz em sua nova casa, mesmo tendo um longo tratamento médico pela frente. Ela vive com outro portador de deficiência: Umay é uma cachorra que teve parte das pernas traseiras amputadas. Ela se locomove com a ajuda de tênis nas patas dianteiras, para facilitar o equilíbrio, especialmente em pisos escorregadios..