Joca não resistiu depois de ser vítima de uma série de erros: a etiqueta da caixa de transporte foi trocada, o animal foi embarcado em voo para outro destino, teve de retornar a São Paulo, mas as longas horas no avião, em condições de acomodação inadequadas, determinaram a morte do cachorro.
O dia 22.04.24 deveria assinalar um recomeço para João Fantazzini Júnior e seu cachorro Joca, um golden retriever de quatro anos. A dupla estava de mudança para o Mato Grosso, mas, por um erro da empresa aérea, o peludo foi embarcado no compartimento de carga de outro voo, com destino ao Ceará. O final da história não é feliz.
A família de Joca, ainda muito abalada, afirma que o golden retriever não recebeu os cuidados adequados durante o transporte aéreo. A Gol, por seu lado, afirma que houve erros de procedimento, mas a morte foi “um evento inesperado”.
Um resumo da história
O engenheiro civil João Fantazzini está dando início a uma nova etapa de sua vida profissional: ele está se mudando de São Paulo para Sinop (MT). Na segunda-feira, 22.04.24, ele embarcou para a nova cidade, em uma viagem aérea realizada em pouco mais de duas horas.
Em tese, o cachorro Joca deveria ter sido embarcado no mesmo voo, da empresa Gol Linhas Aéreas. Como ele é um golden retriever adulto, de porte médio para grande, a legislação atual determina que a viagem seja realizada no compartimento de carga da aeronave. As exceções ficam por conta dos cães-guia ou de suporte terapêutico.
Em meio aos preparativos para a viagem, o tutor não se esqueceu de checar as condições gerais de saúde do cachorro. Joca foi levado ao veterinário, que emitiu atestado garantindo que o peludo estava apto a suportar uma viagem aérea de até três horas.
A previsão de duração de um voo do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, e o Aeroporto Municipal de Sinop é de duas horas e 20 minutos. Mas os procedimentos de embarque de Joca foram equivocados e o animal seguiu viagem para Fortaleza – uma viagem um pouco mais longa de três horas e 15 minutos.
Enquanto Joca seguia viagem para a capital cearense, o tutor já desembarcava em Sinop, onde sofreu com uma série de contratempos e desinformações. Fantazzini não encontrou o golden retriever no compartimento de carga: aparentemente, as etiquetas de identificação foram trocadas em São Paulo.
Finalmente, o tutor foi informado de todas as ocorrências. A Gol não voa de Fortaleza para Sinop às segundas-feiras e, por isso, João resolveu que o melhor a ser feito na ocasião era fazer Joca voltar para São Paulo. Ele também embarcou para a capital paulista, para reencontrar o golden retriever.
Assim como qualquer outro viajante, o tutor acreditava que o cachorro seria bem tratado e viajaria em boas condições. Por estar preocupado com o animal, João chegou a pedir informações sobre as condições físicas de Joca e foi informado de que um veterinário avaliaria o peludo antes do embarque em Fortaleza.
O tutor voltou para Guarulhos, mas teve de esperar mais de duas horas até a aterrissagem do voo proveniente da capital cearense. No total, Joca permaneceu em voo durante oito horas, sem água nem alimento. Quando a caixa de transporte foi desembarcada, foi constatada a morte do animal. A Gollog, empresa do grupo Gol Linhas Aéreas, contatou um veterinário para verificar as condições, mas ele chegou ao aeroporto apenas no início da noite, prolongando a tristeza de João.
Ainda muito sensibilizado pela perda, especialmente em condições tão absurdas, o tutor recorreu às redes sociais para se despedir de Joca. A postagem já recebeu milhares de curtidas e compartilhamentos:
“Você é o amor da minha vida e tiraram você de mim. Lembra quando eu te dizia que jamais sairia do seu lado? Me perdoa, porque eu não pude estar com você naquela hora. Saiba, meu dourado, que você vai viver dentro de mim para sempre. Ainda vou comprar maçãs e rúculas porque eu sei o quanto você amava. Você virou o meu anjo. Saiba que eu vou lembrar de você todos os dias e lutar por você. Me perdoa por ter tido a ideia de ter te levado na minha mudança, pois você estaria aqui. Olha por mim, meu filho, ‘meu dolado’. O pai te ama para sempre.”
A repercussão
O cachorro foi sepultado dois dias depois da morte, em uma cerimônia pública realizada em uma funerária de animais, no bairro de Higienópolis, região central de São Paulo. Amigos de João e Joca convocaram uma manifestação de protesto para o domingo, 28.04.24, às 10h, no saguão do Aeroporto de Guarulhos.
No Instagram, o perfil Sexteto de Quatro Patas, uma família de sete cães e um gato, postou um protesto criativo: os animais foram fotografados com cartazes pendurados no pescoço, formando a seguinte frase:
“Não somos bagagem, somos o amor da vida de alguém.”
A Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, intimou a empresa aérea a prestar esclarecimentos sobre a morte de Joca. Até o momento, sabe-se que a Gol suspendeu o embarque de animais de estimação por 30 dias, para avaliar e corrigir as normas e procedimentos.
A Delegacia do Meio Ambiente de Guarulhos instaurou um inquérito policial para investigar a morte de Joca, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Ministério de Portos e Aeroportos também estão investigando o caso e já se reuniram com representantes das empresas aéreas para discutir medidas visando aprimorar os procedimentos relacionados ao transporte de animais.
Até mesmo o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, se pronunciou sobre a morte de Joca. Em um evento no Ministério da Cultura, em 24.04.24, ele exibiu a gravata com pequenas estampas de cachorros, disse que era uma homenagem ao golden retriever e declarou:
“O cachorro morreu porque ficou oito horas sem tomar água, preso dentro do avião. Eu acho que a Gol tem que prestar contas. Eu acho que a Anac deve investigar o caso. Essas coisas não podem continuar acontecendo no Brasil.”
Na Câmara dos Deputados, tramita um projeto de lei que foi batizado como “Lei Joca”. O PL 692/23, de autoria de José Haroldo Cathedral (PSD-RR), prevê que todos os gatos e os cães de até 40 kg viajem na cabine das aeronaves, desde que estejam acompanhados pelos tutores. O parlamentar declarou que o objetivo do projeto “é não apenas dar conforto e segurança para os pets, mas também com os tutores, que mantêm uma relação de zelo e afeto com eles”.
Atualmente, não existe uma legislação unificada sobre o transporte de animais de estimação em aviões. A Anac prevê apenas que os cães-guia viajem acompanhados por seus tutores. Cada empresa aérea estabelece regras próprias, com exceção dos voos internacionais, em que uma série de medidas de conforto e segurança estão previstas.