O uivo de um cachorro é um recurso sonoro bastante utilizado no cinema.
O som pode representar distância, tristeza, solidão e também é perfeito para introduzir ambientes mal assombrados; afinal, os vampiros são muito amigos dos lobisomens, parentes próximos dos cachorros.
Mas, superstições à parte, por que os cachorros uivam? A resposta está distante, há alguns milhares de anos, em uma época na qual eles viviam nas selvas. E nós também. Aliás, só havia ambientes naturais naquela época.
Mesmo com a capacidade de expressar diversas situações, é importante salientar que o uivo não é um sinal de mau agouro. O som pode ser percebido pelos humanos como um lamento, mas interpretá-lo como a proximidade de uma tragédia é algo totalmente humano. Os cachorros uivam para se expressar, não porque conseguem adivinhar o futuro – nem positivo, nem negativo.
Especialistas entendem que os cachorros uivam para se comunicar a distância, especialmente quando o contato visual não é possível. Ao uivar, o cachorro atinge timbres mais elevados e, desta forma, ele pode ser ouvido de longe pelos companheiros de bando.
O uivo demonstra que os cachorros são animais gregários, com um repertório sonoro variado, para adaptar-se às diversas situações do dia a dia. O uivo se diferencia do latido (usado nas comunicações diretas), do ganido (que expressa medo e dor) e das rosnadas (uma forma de desafiar ou demonstrar o poder físico).
A história
Os cachorros descendem dos lobos ou, para alguns zoólogos, são apenas uma variedade dos lobos selvagens, um grupo de indivíduos que percebeu as vantagens da convivência com os humanos. Na classificação taxonômica, cachorros são Canis lupus familiaris, enquanto os lobos são apenas Canis lupus.
À época dos nossos primeiros encontros, algumas dezenas de milênios atrás, nós éramos fracos fisicamente, mas já fabricávamos armas e ferramentas úteis para a caça e a defesa. Os peludos devem ter imaginado que seria uma parceria proveitosa para ambas as partes, o que realmente aconteceu.
Os animais mais dóceis passaram a rodear os nossos acampamentos, a receber restos da nossa alimentação, a aceitar eventuais carinhos dos “macacos pelados” que brandiam pedras e lanças de madeira para caçar.
Os cachorros se revelaram extremamente capazes. Além da caça, eles nos acompanharam nas mais diversas atividades: defesa, vigilância, ataque, companhia, guarda de rebanhos, resgate de vítimas. Nas campanhas bélicas ou ao nosso lado à frente de uma fogueira, eles se tornaram os nossos melhores amigos. Hoje, alguns deles estão servindo nas polícias e nos batalhões de bombeiros.
Mas, antes disso, porém, os cachorros viviam exatamente como os lobos, em grupos sofisticados e hierarquizados, em que cada membro tem funções definidas: sentinela, guarda, caça, ataque a adversários, alimentação e proteção dos filhotes, etc.
A vida na selva é relativamente solitária. Enquanto as lobas com crias permaneciam juntas praticamente o tempo todo (em uma caverna, por exemplo), os machos e as fêmeas “solteiras” montavam guarda e defendiam o território. Para isso, eles se espalhavam na “propriedade” e noticiavam qualquer tipo de alteração, qualquer coisa fora do habitual.
Outros animais usam os uivos para a comunicação. Chacais e hienas empregam o som da mesma forma que os lobos, enquanto as raposas, que são animais de hábitos solitários, uivam para demarcar território. O recurso sonoro pode ser ouvido a um quilômetro de distância.
Ainda nos dias de hoje, em uma alcateia, cada lobo possui a própria vocalização. Em outras palavras, isto quer dizer que cada lobo apresenta um uivo próprio, personalizado. Ao ouvi-lo, os demais lobos sabem quem está “falando”, a que distância ele está, se algum perigo espreita o bando, se há perspectiva de caça, etc.
A atualidade
Os nossos cachorros, hoje em dia, não caçam presas para as refeições e a maioria também não monta guarda, apenas faz companhia para os membros da família humana. No entanto, mesmo em um apartamento, eles não sabem que as paredes são seguras – na natureza, um rochedo sólido pode desmoronar a qualquer momento.
Eles passaram a se comunicar também com os cachorros da vizinhança (e até mais distantes: o uivo pode ser ouvido a algumas dezenas de quilômetros de distância – a audição dos cães é muito mais apurada do que a nossa).
Sem contato visual, eles precisam “falar” o que sentem. Os uivos podem revelar a procura de um parceiro ou parceira, indicar quem é o chefe do pedaço, alertar sobre a proximidade de um temporal, ou simplesmente demonstrar o estado de espírito.
Quem uiva mais?
O uivo é basicamente uma ferramenta de comunicação noturna. É a noite, quando os recursos visuais se tornam escassos, que é preciso encontrar estratégias para informar e para receber informações. Por isso, é difícil ouvir um cachorro uivando durante o dia.
Os lobos, no entanto, não uivam a noite inteira. O ruído denuncia a posição em que eles estão e algum eventual predador nas proximidades pode aproveitar a situação para atacá-los. Eles são econômicos nas vocalizações, usadas principalmente para informar os colegas de bando sobre a situação geral.
Entre os cachorros, algumas raças desenvolvidas para trabalho se tornaram silenciosas. Cães pastores e boiadeiros latem pouco e quase nunca uivam. Animais de resgate emitem latidos compassados e graves, para que sejam ouvidos pelas vítimas e as equipes de salvamento.
Os cães de trenó, por outro lado, abusam das “palavras”. Samoiedas, huskies siberianos e malamutes do Alasca não se privam dos latidos, ganidos e uivos nas comunicações. Os animais destas raças vivem no Ártico, em que as nevascas dificultam bastante o contato visual.
Por isso, e também porque trabalham em bandos e estão relativamente protegidos dos ataques de predadores – até mesmo um urso polar pensará duas vezes antes de investir contra uma matilha –, estes cães abusam dos uivos.
Desta forma, os cães do trenó que segue à frente indicam o caminho para os colegas da retaguarda. A maioria destes peludos não conduz mais carga e passageiros pelas estepes frias do Alasca, da Sibéria ou do Canadá, mas eles continuam especialistas em barulho.
Portanto, se você está pensando em adotar um cão de uma destas raças, saiba de antemão que eles são barulhentos. São também bastante indisciplinados, bagunceiros, mesmo, quando não estão “a serviço” – praticamente o dia inteiro para cães urbanos ou que vivam em qualquer lugar fora dos círculos polares.
Paixão carnal
“L’amour est un oiseau rebelle”, diz uma ária famosa de uma ópera de Georges Bizet. O amor é, realmente, rebelde. E quando a paixão canina acontece, quase todos os cães adultos da região ficam sabendo disso. As cadelas no cio secretam feromônios, substâncias biologicamente ativas, com funções de atração sexual.
O vento leva os feromônios a distâncias consideráveis e muitos cachorros ficam sabendo da novidade: há uma cadela disponível nas proximidades – e ela quer que todos saibam disso. Os cachorros identificam o aroma e começam a uivar para demonstrar interesse e afastar possíveis concorrentes.
Outros cachorros repetem a estratégia, mesmo que a cadela no cio esteja presa em um quintal, inacessível aos apelos dos machos – mais uma vez, eles não sabem que o muro não irá desabar com alguns saltos, arranhões e escavadas.
Outros machos, mesmo sem captar os feromônios, entendem as intenções dos “cachorros uivantes” e começam a se comportar também como candidatos ao acasalamento. Em poucos minutos, diversas quadras do bairro estão cobertas pela sinfonia de uivos.
Uivo e sofrimento
Os cachorros dificilmente uivam para demonstrar dor ou sofrimento. Quando eles sentem algum desconforto, a estratégia de comunicação mais comumente empregada é o ganido, uma espécie de choro canino. Mas o uivo pode significar problemas emocionais.
Na verdade, é mais provável que o uivo possa servir para demonstrar alegria. Em um ambiente musical, os cachorros podem decidir acompanhar as performances ao piano ou ao violão dos tutores e uivar com vontade – inclusive tomando o lugar do solista algumas vezes.
Um cachorro pode igualmente uivar quando se sente frustrado. Por exemplo, ele pode postar-se junto ao portão da casa, na hora do passeio diário, e uivar continuamente se nenhum membro humano da família aparecer com a corrente e a coleira. O pet pode fazer o mesmo quando o tutor, que sempre chega pontualmente em casa no final do dia, está um pouco atrasado.
Transtornos emocionais
Estes problemas são facilmente resolvidos. Uma situação mais complicada é quando o cachorro se sente entediado. Ao passar muitas horas sozinho (ou isolado – no fundo do quintal, por exemplo), sem interagir com humanos e outros animais, o tédio toma conta e a rotina parece pesar. Então, surgem os uivos.
Por mais desesperador e irritante que seja, o uivo é apenas uma maneira rudimentar e atávica de tentar trazer para perto os colegas da matilha. Para os cachorros, nós somos uma matilha – e o líder é um dos membros humanos do grupo.
O barulho, no entanto, é o menor dos problemas nestes casos. Apesar de poderem surgir alguns inconvenientes com vizinhos incomodados (com razão), a solidão pode ser o gatilho de diversos transtornos emocionais sérios.
Ao permanecer muito tempo sozinho, um cachorro pode se tornar destrutivo, atacando ferozmente todas as almofadas, chinelos e pés de mesas que ele encontrar pelo caminho. A atitude hostil e inadequada pode acontecer em uma situação específica, mas é mais comum quando a solidão se torna rotineira.
Um cachorro que fica boa parte do dia sozinho também pode se tornar agressivo. Esta violência pode se voltar para estranhos, para alguns membros da família e até para ele mesmo – não são raros os casos de cachorros que feriram as patas, orelhas e a ponta da cauda em função do tédio do isolamento.
Os nossos peludos também podem desenvolver problemas mais graves, como ansiedade e depressão. A solidão, claramente demonstrada nos uivos inacabáveis, na destruição de objetos ou na irritação com pessoas, pode inclusive desencadear doenças psicossomáticas.
Amenizando o problema
Quando os uivos exprimem tédio, o problema pode ser resolvido envolvendo o cachorro em mais atividades, deixando-o menos tempo sozinho. Quando a família precisa sair de casa, sempre é possível encontrar uma brincadeira.
Algumas estratégias interessantes são: deixar uma bola com ração para ele tentar abrir, uma roupa com o cheiro do humano predileto, uma gravação de sons que ele gosta de ouvir – com horário certo para começar e terminar; alguns minutos são suficientes.
Os uivos também podem surgir nos momentos de “reivindicação”. Os cachorros querem passear – ou querem ficar mais tempo na rua – e uivam para comunicar a insatisfação com as caminhadas curtas ou a indisponibilidade dos tutores.
Mas este problema igualmente é facilmente resolvido. Cachorros gostam de desafios e novidades. Basta levá-los para explorarem novos canteiros de uma praça, para escalarem uma ladeira íngreme, para conhecerem uma rua diferente do bairro. Mas, lembre-se: os uivos são uma forma de expressão e não devem ser totalmente tolhidos.
Se o barulho está incomodando os vizinhos ou prejudicando o sono da família (os cães têm preferência por latir à noite e de madrugada), é possível usar alguns recursos de adestramento para eliminar ou amenizar o problema.
Uma boa estratégia é associar o uivo a situações desagradáveis. Entre os filhotes, as brincadeiras podem ser suspensas assim que os uivos começarem e, da mesma forma que eles ganham petiscos quando fazem alguma coisa certa, podem deixar de ganhá-los se ficarem uivando durante intermináveis minutos seguidos.
Para cães maiores (já adultos), é interessante usar um apito para cachorro, que emite frequências incômodas para os pets, mas são inaudíveis para os ouvidos humanos. Todas as vezes em que eles começarem a uivar, basta apitar. Em pouco tempo, eles associarão o barulho insuportável aos uivos e abandonarão o hábito.
Existem no mercado algumas coleiras que pretensamente inibem latidos e uivos, mas elas não são recomendáveis. Em primeiro lugar, porque os uivos, latidos e rosnadas são as “falas” dos cães e não devem ser reprimidas.
Também não são recomendáveis as cirurgias para seccionar as cordas vocais. Os tutores precisam entender que os cachorros latem, uivam e rosnam. Tudo isso faz parte da identidade deles. Imaginar que eles possam se tornar silenciosos é uma expectativa irreal.
Outro motivo importante é que alguns destes produtos emitem descargas elétricas de baixa voltagem. Apesar do linguajar técnico, o que estas coleiras fazem é dar pequenos choques leves nos pets quando eles fazem alguma coisa considerada errada. Ninguém merece levar choques elétricos. Principalmente, ninguém aprende nada com isso, só fica com medo daquilo que provoca dor.