O nariz do cachorro – tecnicamente chamado de trufa – é um equipamento poderoso, desenvolvido pela natureza durante milhares de anos. Ele está sempre molhado, entre outros motivos, porque os peludos são capazes de inspirar e expirar ao mesmo tempo, usando uma narina para cada tarefa.
Desta forma, os cachorros estão permanentemente aspirando o ar atmosférico e, com isso, absorvendo a umidade relativa que, em parte, é retida na parte externa do nariz. A extremidade do focinho úmida e gelada é um sinal de que está tudo funcionando perfeitamente no sistema respiratório dos cães.
As exceções
Evidentemente, toda regra tem exceções e, com o nariz sempre molhado dos cachorros, não seria diferente. Caso o peludo esteja aconchegado na caminha – ou entre as almofadas do sofá – os tecidos eliminarão a umidade em poucos minutos, mas ela se recompõe rapidamente.
O mesmo raciocínio vale para a exposição direta ao Sol. Em uma caminhada, o nariz poderá ficar ressecado. Por isso, durante o trajeto, é importante alternar com alguns trechos na sombra.
Os passeios, aliás, devem ser evitados nos horários mais quentes do dia. Mesmo levando água para refrescar e saciar a sede, as patas ficam expostas e podem sofrer queimaduras. Sob uma temperatura de 30°C, com o sol a pino, a temperatura do asfalto supera os 50°C.
Os cães que passam a maior parte do dia em áreas externas precisam ter áreas de sombra à disposição, para eliminar os riscos de desidratação e insolação, que podem ser fatais. Água limpa e fresca deve ficar sempre ao alcance.
Nariz molhado
Uma vez que as narinas dos cachorros funcionam de forma independente, os peludos também são capazes de identificar dois odores ao mesmo tempo. O bulbo olfativo canino – região do encéfalo responsável por registrar e classificar os odores – ocupa uma área proporcionalmente 40 vezes maior do que o órgão humano correspondente.
Além disso, os cães possuem de 100 a 300 milhões de glomérulos, ou terminais olfativos. O sentido é tão apurado que, enquanto nós captamos o cheiro de uma bela macarronada, eles conseguem perceber distintamente os odores do queijo, da massa, do molho de tomate, etc.
Isto é muito útil para rastrear uma presa, esquivar-se de um predador e até perceber a aproximação de um temporal ou de uma frente fria. O nariz, vale lembrar, apenas capta os odores; a análise e interpretação dos dados fica a cargo do córtex cerebral.
Manter o nariz e os lábios molhados ajuda bastante nessas tarefas. As partículas dos odores ficam aderidas à pele umedecida da região e aumenta o tempo de análise. Isto continua acontecendo mesmo enquanto o cachorro está comendo e até dormindo.
Os sentidos dos primatas superiores se desenvolveram privilegiando a visão na interação com o mundo. Com a chegada da civilização, nós passamos inclusive a disfarçar alguns odores – os antigos egípcios já usavam perfumes para atenuar o suor e o “cheiro do trabalho”.
Os cachorros (e a maioria dos carnívoros) seguiram caminhos evolutivos diferentes e apuraram o olfato e a audição para atacar e se defender. Nem sempre é possível visualizar uma presa e um adversário, mas ruídos e aromas os localizam a quilômetros de distância. Os nossos melhores amigos enxergam relativamente mal, mas são campeões no faro e na audição.
Naturalmente, nas manhãs frias de inverno, os cachorros podem resolver ficar na caminha – ou entre as cobertas dos tutores, e isto elimina a umidade do nariz, mas não chega a prejudicar a saúde, se o cachorro mantiver a rotina de exercícios e brincadeiras.
Temperatura constante
Existe outro motivo importante para manter o focinho e os lábios sempre umedecidos, muitas vezes até escorrendo saliva. Ao contrário dos humanos, os cachorros possuem poucas glândulas sudoríparas e elas não estão espalhadas pelo corpo.
As glândulas sudoríparas caninas estão limitadas à região das patas – especificamente, entre os dedos e os coxins plantares (as almofadinhas das mãos e dos pés). Mas elas são insuficientes para manter a temperatura corporal constante (vale lembrar que, entre os cães, a temperatura é considerada normal quando oscila entre 38,5°C e 40,5°C. Para reduzir a temperatura interna, eles usam dois recursos importantes:
- a salivação – nos movimentos intensos, a produção das glândulas salivares é acelerada, baixando a temperatura da boca, que é a porta de entrada do sistema digestório: quando o cachorro baba (e engole parte da secreção), ele melhora a eficiência de vários órgãos abdominais;
- a manutenção do nariz molhado – ela reduz a temperatura do ar atmosférico, resfriando as vias respiratórias e garantindo o pleno funcionamento da absorção do oxigênio e eliminação do dióxido de carbono. A umidade também retém parte das impurezas suspensas no ar.
As duas funções são complementares. Por isso, é comum observar os cachorros lambendo a trufa, especialmente durante correrias intensas, tanto para hidratar o nariz com saliva, quanto para retirar o excesso de umidade.
O órgão de Jacobson
O olfato dos cachorros e de outros mamíferos tetrápodes conta com um instrumento auxiliar poderoso: o órgão de Jacobson (ou vomeronasal), situado próximo à passagem entre a faringe e a laringe. A estrutura consegue detectar alguns hormônios e é fundamental para a vida de relação dos peludos.
O órgão de Jacobson está presente nos fetos de primatas, quirópteros e cetáceos, mas regride na medida em que se aproxima o fim da gestação, tornando-se vestigial nos indivíduos adultos. Nos humanos, o órgão atrofiado não tem comunicação funcional com o sistema nervoso central (SNC).
É através desta estrutura, por exemplo, que um cachorro macho descobre que uma fêmea está receptiva ao acasalamento, captando os feromônios sexuais. O órgão também ajuda a perceber se um animal desconhecido é amigável ou perigoso, dócil ou agressivo, submisso ou dominante.
Muitos cães já foram treinados no mundo inteiro para diagnosticar pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas, tumores e até mesmo gravidez. Durante a pandemia de Covid-, eles foram úteis para detectar portadores do vírus em áreas de grande circulação, como estações de trens e metro. Vale lembrar que o órgão de Jacobson auxilia fortemente na identificação dos cheiros em conjunto com as vias respiratórias, mas, para um bom desempenho, é fundamental que o nariz esteja molhado.
E o nariz seco?
Este pode ser um sinal de alerta, mas tudo depende das condições meteorológicas. Além disso, dentro de certos limites, o metabolismo varia de indivíduo para indivíduo. Ninguém melhor do que o próprio tutor para identificar desconfortos e incômodos nos peludos, mesmo quando os sinais são difusos. Na dúvida, é importante consultar o veterinário.
Sempre lembrando que, depois de dormir por períodos mais prolongados, é natural que o cachorro acorde com o focinho seco, este pode ser um sintoma de febre, o que indica uma inflamação ou infecção (que, por sua vez, podem ou não ser graves). Aliás, sonecas desmotivadas ou fora de hora sempre acendem um sinal de alerta, inclusive entre os pets dorminhocos.
O ressecamento prolongado da pele da trufa também pode ser responsável pelo surgimento de fissuras e feridas no nariz e nos olhos, favorecendo a proliferação de micro-organismos que podem ser nocivos à saúde dos cães. É preciso levar o peludo para uma consulta médica com rapidez e nunca tentar resolver o problema com pomadas e hidratantes formulados para humanos.
A exposição excessiva ao Sol também pode ressecar o nariz e trazer alguns problemas, especialmente quando é constante e prolongada. A maior parte dos cachorros exibe trufas pretas (uma herança genética dos lobos-cinzentos), mas, em muitas raças caninas, a extremidade do nariz pode ser castanha, cinza ou rosada – tudo depende da pigmentação da pele na região.
Os cães de trufas claras precisam de cuidados especiais. Existem alguns produtos específicos que podem ser aplicados antes dos passeios, por exemplo, para proteger a pele. No caso dos animais de pelagem branca ou muito clara, o protetor solar também é necessário.
No caso dos cães de trufa rosada (totalmente sem pigmentação), as queimaduras solares são bastante comuns. Além da secura do nariz, eles podem apresentar também vermelhidão e descamação na área.
Há outro risco, mais comum nos meses de inverno: é quando os cachorros aproveitam uma fonte de calor para se aquecer e também podem sofrer queimaduras principalmente no nariz e nas patas. Geralmente, eles procuram aquecedores, mas alguns, especialmente os de pequeno porte, descobrem rapidamente que computadores são excelentes locais para espantar o frio.
É importante considerar que ambientes mal ventilados, como uma sala totalmente fechada, seja para evitar correntes de ar frio, seja para garantir a eficiência máxima dos aparelhos de ar-condicionado, também são responsáveis pelo ressecamento da pele.
Caso nenhum destes fatores esteja contribuindo para deixar o nariz do cachorro seco, provavelmente ele está com febre. É importante consultar o veterinário para identificar as causas, uma vez que o diagnóstico precoce melhora os prognósticos e reduz o tempo de tratamento e convalescença.
Na imensa maioria dos casos, não é necessário sair correndo para o consultório: um estado febril raramente é uma emergência médica. Os tutores devem observar outros sinais, como apatia, perda de apetite, dores e desconfortos. É importante, aliás, que o médico seja informado em detalhes, para ajudá-lo a firmar o diagnóstico e propor o melhor tratamento.