Alguns cães demonstram a lealdade mesmo depois da morte dos tutores: eles ficam no túmulo dos tutores.
São muitas as histórias sobre a lealdade dos cães. Por um sexto sentido inexplicável, eles sabem quando os seus donos estão chegando – alguns esperam à porta, outros vão até o portão, outros chegam a aventurar-se pelas ruas e seguem até estações de trens e terminais de ônibus. Os mais devotados continuam demonstrando a afeição mesmo depois da morte e ficam no túmulo dos donos, talvez esperando que eles voltem.
Os cães entendem a morte?
Não é nada fácil lidar com a morte de uma pessoa muito querida. Mas será que os cães também passam por um período de luto? A morte existe também para eles ou eles a entendem apenas como um afastamento, que pode ser provisório?
Não podemos entrar na mente dos cães para responder a estas questões. Mas algumas condições parecem nos explicar o que eles sentem. Cães são animais gregários. Nas alcateias dos lobos (os “avós” dos nossos cachorros), existe muita interação social: há a figura do chefe, da fêmea líder, dos demais adultos e das crianças e jovens.
Eles se organizam para caçar, abrigar-se e defender-se de outros bandos ou de adversários maiores. Esta estratificação indica que eles estabelecem relações diferentes com outros lobos e provavelmente gostam mais de uns do que de outros.
Eles sentem falta dos que se afastam, mesmo não tendo presenciado o episódio que determinou a morte. Os cães herdaram este comportamento. Um estudo realizado em 2006 pela ASPCA – American Society for the Prevention of Cruelty to Animals, uma ONG americana centenária (foi fundada em 1866, em Nova York) – descobriu que os cães apresentam características de luto semelhantes às humanas.
Depois da morte de um companheiro humano (especialmente do tutor), os cães comem menos, brincam menos, perdem interesse por suas atividades favoritas. Isto pode durar duas semanas ou prolongar-se por meses e mesmo por anos. Como veremos no exemplo a seguir, pode acompanhar o cão pelo restante da sua vida.
Mesmo assim, os cachorros costumam encarar a morte de uma forma muito mais natural. Nós problematizamos a morte – é a nossa única certeza na vida, mas também a nossa maior preocupação. No entanto, eles podem desenvolver sinais psicossomáticos (dor, problemas respiratórios e musculares, queda da frequência cardíaca, etc.), que podem determinar inclusive a morte, se não forem identificados e tratados de maneira adequada.
Um exemplo brasileiro
Marrom, um cão de porte médio, teve a vida alterada drasticamente em julho de 2017. Ele e o seu tutor Albino Favin tinham uma vida comum dos moradores do interior: acordar muito cedo e trabalhar no campo. Marrom ainda mora em Frederico Westphalen (RS), município a cerca de 500 km de Porto Alegre.
Depois da morte de Favin (em 05.07.17), Marrom transformou o cemitério da Comunidade de São Cristóvão em seu lar. O tutor morreu aos 80 anos, vítima de câncer no pulmão, mas o seu fiel cachorro permanece no túmulo com o dono.
A distância entre o cemitério e a antiga casa de Marrom é de seis quilômetros, de acordo com informações de Clênio Favin, filho de Albino. Marrom não quer mais voltar para casa. Ele pode ser visto perambulando na Comunidade de São Cristóvão, já foi recolhido por parentes para casa, mas insiste em voltar para o túmulo do dono, talvez esperando que ele volte e precise de ajuda.
A história de Marrom é semelhante à de Hachiko, um cão japonês que continuou indo todos os dias para a estação de trens de Odata, mesmo da morte do seu tutor, um professor da Universidade de Tóquio. Hachiko fez o mesmo trajeto durante quase dez anos, até que ele próprio foi para o Céu dos Cachorros.
Um exemplo argentino
Em fevereiro de 2018, Capitán, um cão sem raça definida, morreu no mesmo cemitério onde estão enterrados os restos mortais do seu antigo tutor. O cão havia sido um presente, em 2005, de Miguel Guzmán ao seu filho. No entanto, em março do ano seguinte, Miguel morreu e Capitán desapareceu da casa da família.
Ele chegou a retornar para a vizinhança, mas nunca mais entrou em casa. Pouco tempo depois, desapareceu definitivamente e a família chegou a pensar que Capitán também tinha sido morto ou adotado por algum desconhecido que poderia tê-lo encontrado nas ruas. Até que o encontraram junto ao pé do túmulo do dono.
O cão fiel tinha endereço certo. Durante o dia, ele perambulava pelo entorno do cemitério da cidade argentina de Villa Carlos Paz, na Província de Córdoba. À noite, subia na sepultura e dormia ali, talvez velando pelo sono de Miguel.
Capitán cuidou do túmulo do seu dono por mais de dez anos. Com o tempo, os funcionários de cemitério se acostumaram com a presença do cachorro. Nos últimos tempos, ele demonstrava dificuldade para subir na sepultura e parecia ter problemas de visão.
Finalmente, o vira-lata chegou ao final da sua vida. Em 20.02.18, com 16 anos de idade, Capitán também morreu. O corpo foi encontrado em um dos banheiros do cemitério. Funcionários e moradores da região fizeram um movimento para enterrar os restos do cachorro junto à sepultura do antigo dono.
Eles esperam a volta dos donos?
O mais provável é que estes cães, e muitos outros, que não presenciaram a morte dos donos, continuem esperando a volta dos donos para casa, para que a dupla possa retomar a rotina. É possível que os cães encarem a morte da mesma forma que as crianças pequenas e se perguntem: “Ok, ele morreu. Mas quando ele volta?”.
Mas, se os cachorros não entendem a morte como algo definitivo, por que eles choram com a ausência? Isto poderia ser explicado, já que muitos cães quando os tutores saem de manhã para o trabalho, por exemplo. Mas por que eles continuam chorando dias e dias e, em muitos casos, ficam no túmulo dos donos, se não sabem o que está enterrado ali?
Eventualmente, alguns destes “órfãos” encontram novos tutores, novos lares e reconstroem a vida. Não é possível saber se, uma vez ou outra, eles se lembram do antigo dono e, em caso positivo, como eles reagem a essas lembranças.
Será possível que eles conseguem pressentir a presença dos antigos donos que, de uma forma que não sabemos explicar, sobreviveram a morte e estão vivos em outra dimensão? Se isto realmente acontece, será que tutores e pets se reúnem aqui, para continuar celebrando a vida, assim como faziam dias e meses antes da morte?
Nós não sabemos. As crenças sobre a sobrevivência pós-morte são pessoais e intransferíveis: cada pessoa reúne as suas próprias crenças, de acordo com os ensinamentos que recebeu. Em outras palavras, cada um acredita no que quer e não é possível obrigar ninguém a crer – ou deixar de crer – em nada.
Mas, talvez, a lealdade canina possa sobreviver à morte – isto seria um grande consolo para muitos de nós, que, contrariamente a Marrom, Hachiko e Capitán, sobrevivemos aos nossos pets. Nós, que perdemos nossos cães, esperamos que eles estejam vivos em algum lugar, talvez esperando por nós.