Morar com dois ou três cachorros é uma alegria, mas não é fácil. Veja como viver em paz com eles.
Conviver com apenas um cachorro já é uma grande aventura – imagine dividir a casa com dois, três ou mais peludos. Infelizmente, como disse Machado de Assis, “nem tudo são flores”. É preciso ter muita disponibilidade, organização e senso de liderança para viver em paz e não transformar a casa em um eterno campo de batalha.
Tutores de muitos cachorros precisam se preocupar ainda mais com os aspectos de higiene. Todos os ambientes da casa a que os pets têm acesso precisam ser muito bem limpos, ventilados e ensolarados, para evitar a proliferação de doenças, algumas delas transmissíveis também aos humanos, e também para impedir o mau cheiro.
Os latidos
Há um ponto importante a ser considerado antes de se falar em uma casa cheia de cachorros: todos nós queremos o melhor para os nossos pets, mas é preciso considerar também o bem-estar de quem vive perto de nós. Os nossos vizinhos podem se incomodar bastante com o barulho – e não se pode tirar a razão deles.
Uma constatação óbvia tem de ser feita: cachorros latem. E, quando os cachorros são muitos em um só lugar, eles latem ainda mais. É um efeito em cascata, semelhante ao choro nos berçários das maternidades.
Algumas raças caninas, como o yorkshire terrier, o buldogue francês, o golden retriever e o São Bernardo, latem pouco, apenas quando necessário. Mesmo assim, o barulho pode ser considerável quando é duplicado ou triplicado. Aliás, conviver com cães é quase sinônimo de conviver com latidos.
Mais questões
Antes de pensar em adotar um segundo ou terceiro cachorro, os tutores precisam refletir seriamente. Algumas questões devem ser respondidas antes de abrir os portões para vários peludos de uma só vez. Devem ser considerados:
• os gastos com ração, alimentos, medicamentos, vacinas, consultas médicas, brinquedos, acessórios, etc.;
• o desejo dos outros membros da família. Todos realmente devem querer conviver em uma casa cheia de cachorros e assumir as responsabilidades inerentes ao compromisso;
• o tempo disponível. Cachorros gostam de companhia humana e precisam dela para se desenvolverem ajustados. Isto inclui brincadeiras, passeios e cochilos ao pé dos tutores;
• o temperamento do primeiro cão. Muitos animais gostam de exclusividade e podem não se interessar em dividir a casa – e os tutores – com uma matilha numerosa.
A matilha
Os cachorros são animais gregários e sociáveis. Os lobos, ancestrais dos nossos pets, vivem em alcateias de cinco a dez animais (sem contar os filhotes e jovens). A chave da convivência pacífica, para eles, é a hierarquia. Eles se organizam assim há muito tempo: o lobo-cinzento surgiu há mais de 300 mil anos.
Em uma matilha, existe sempre um líder, o macho alfa, coadjuvado na chefia por outros animais adultos, que podem ser machos ou fêmeas. Todos os demais membros do grupo obedecem às decisões desses chefões: há regras para comer, descansar, exercitar-se, vigiar, etc.
Os nossos cachorros entendem que toda a família faz parte deste grupo primordial. Instintivamente, os peludos tendem a obedecer ao “alfa da matilha”, por saberem que ele é o provedor, responsável pelos alimentos e pela segurança.
Por definição, os líderes são naturalmente fortes, corajosos e bem equipados para os desafios da vida. Quando os tutores não exibem essas características, os cachorros passam a não encará-los como dignos da chefia e a disputar a posição. Quando isto acontece, a paz e o equilíbrio desaparecem completamente.
Para viver em paz numa casa cheia de cachorros, os tutores – líderes natos – precisam deixar bem claro quem está no comando: são eles que decidem o horário das refeições, dos passeios e do descanso noturno, os ambientes em que cada “subordinado” pode transitar; em suma, as regras de convivência.
Felizmente, os cachorros gostam muito de agradar os membros humanos da matilha. Eles realmente desejam que haja um líder responsável pela harmonia doméstica, porque isto traz estabilidade e previsibilidade. Mas, com os tutores na posição de liderança, resta definir os demais pontos da cadeia de comando.
As diferenças
Depois de refletir seriamente sobre os investimentos necessários para aumentar a família – dinheiro, tempo e energia para brincar e passear –, os tutores devem procurar o novo cachorro. A escolha ideal é a de um animal da mesma idade, raça ou porte, com características semelhantes. Isto é importante porque os cachorros apresentam personalidades diferentes.
Por exemplo, um husky siberiano é extremamente leal ao grupo – é um cão de trabalho –, mas, fora das “obrigações diárias”, adora brincadeiras intensas e descontraídas. Ele não se daria muito bem com um buldogue inglês bonachão, que sempre prefere passar o tempo entre sonecas e mais sonecas.
Um pastor alemão, um rottweiler e um fila brasileiro são animais guardiães, com forte instinto de proteção e preservação. Eles convivem sem problemas com crianças e outros cães, mas tendem a vigiar os movimentos de todos. Eles assumem a posição de sublíder.
Para cães com este tipo de comportamento, a convivência com um akita ou um São Bernardo, que preferem longos períodos de isolamento, não é o ideal. Os akitas, especialmente, realmente preferem ser “filhos únicos”, mas toleram a presença de outros “parentes”.
Entre os cães de pequeno porte, também se notam diferenças. Os shih tzus a malteses preferem exclusividade, mas os yorkshire terriers e poodles (inclusive toys) se adaptam muito bem em uma casa cheia de cachorros.
Tudo depende dos motivos que determinaram o desenvolvimento das raças e, obviamente, das personalidades individuais. É raro, mas é possível encontrar um rottweiler medroso ou um beagle silencioso.
Alguns cães são caçadores solitários (como o weimaraner), outros caçam em grupos (o beagle). Os boiadeiros passavam muito tempo sem a companhia de humanos e outros cães – conviviam apenas com bois e vacas. Já os pastores e outros animais criados para defesa (dálmatas, dobermans, dogues alemães, etc.) são extremamente sociáveis.
Com relação aos mestiços, tudo depende das misturas. Quando um cachorro SRD tem a aparência anatômica de determinada raça, é muito provável que ele também exiba o temperamento característico.
Introduzindo um novo cachorro
Uma vez que a decisão tenha sido tomada, escolha um período de folga para trazer o novo cachorro para casa – um feriado prolongado, por exemplo. Se você não pretende iniciar uma criação, castre o animal antes de acolhê-lo. Isto também evita brigas, especialmente se os peludos forem machos.
Não é uma regra inflexível, mas um casal (ou trisal) convive melhor do que dois machos, que, por sua vez, se tornam bons amigos com mais facilidade do que duas fêmeas. Analise o comportamento dos pets antes de aumentar a família.
Se o cachorro que você tem é idoso ou tem problemas de mobilidade, não traga um novo pet que goste de atividades intensas (todos os filhotes são agitados, mas, em algumas raças, são mais tranquilos).
Veja também: Dicas para adotar um segundo cachorro
Evite o estresse nos relacionamentos entre os cachorros. Reúna animais ativos com animais ativos, animais bonachões com outros bonachões. Nunca escolha um pet possessivo, se o que você tem em casa já é um chicletinho, como chihuahuas e os poodles de maior porte.
Se o seu cachorro faz o tipo atlético, um filhote cheio de energia será sempre muito bem-vindo. Lembre-se, no entanto, de que dois cachorros significam o dobro da bagunça – e quem terá de arrumar tudo é você.
No momento da apresentação, escolha um local neutro: a sala do apartamento ou o quintal da casa já são o “pedaço” do cachorro mais antigo e provavelmente ele não demonstrará nenhum interesse em partilhar as suas “propriedades”. Se houve mais de um humano responsável pelo controle, o encontro será mais seguro para os pets.
Apresente os peludos em uma praça ou parque e, em seguida, leve-os para casa. Se for possível, faça a aproximação por etapas. Cachorros agressivos ou territorialistas podem aceitar melhor um parceiro se primeiramente o contato for apenas visual, seguido de outros encontros de “terceiro grau”.
A aproximação é sempre lenta e gradual. Os cachorros começam a se identificar cheirando o rastro um do outro e, depois de alguns minutos, podem cheirar o traseiro. Eles podem choramingar, ganir e rosnar levemente, mas, se não parecerem agressivos, é apenas uma forma de travar contato.
Nos primeiro dias, deixe o novato separado dos demais membros da sua matilha. Promova encontros supervisionados várias vezes (se necessário, use coleiras e guias). Aumente progressivamente os períodos de convivência e deixe o cão mais novo explorar os ambientes, o que pode demorar algumas horas em certos casos.
Em família
Na presença dos cachorros, aja sempre como o líder da matilha. Mostre autoridade em todas as oportunidades. Não há nada de errado em um cachorro subir no sofá ou na cama, mas, nos primeiros tempos, ele deve pedir permissão antes.
Cachorros podem ter preferências, mas não exclusividades. Reprima atitudes agressivas, como rosnadas e avanços, caso o novato tente se deitar na caminha no irmão mais velho ou subir em uma poltrona. Sempre que isso ocorrer, ocupe o espaço disputado. É uma forma de afirmar que você controla o território.
Observe o comportamento. Na maioria das casas cheias de cachorros, os pets estabelecem uma hierarquia entre eles. Nunca deixe que essa “autoridade” seja exercida com violência, mas, se for naturalmente aceita pelos mais novos, pode ser aproveitada para facilitar a convivência.
Por exemplo, cachorros com perfil de liderança devem receber o alimento em primeiro lugar. Para nós, faz pouca diferença se a refeição é servida neste momento, dois ou três minutos depois, mas, para os pets, trata-se de uma confirmação: o cão alfa está definitivamente empossado como o segundo na linha de comando.
Nas primeiras semanas, passeie com os cães em momentos diferentes. Isto servirá para fortalecer os elos entre tutor e pets (eles se sentirão felizes por desfrutar um momento único) e também para evitar acidentes. Saia para a rua com a família inteira apenas quando estiver seguro de que pode conduzir duas ou três guias com tranquilidade.
Os passeios individuais também permitem conciliar treinos diferentes dos pets. Um filhote, nas primeiras caminhadas na rua, requer atenção para assimilar os comandos básicos. Um adulto ativo pode ter alguns momentos de saltos e correrias. O “vovô da casa” pode andar devagar, parar para tomar fôlego e descansar, etc.
Na hora das refeições, sirva cada cachorro em uma tigela individual. Nos primeiros dias, posicione-se entre os comedouros, para evitar brigas ou tentativas de roubo (alguns cachorros podem atacar a ração alheia apenas para se sentirem poderosos).
A água pode ser deixada em apenas uma tigela, mas é preciso observar o comportamento. Os animais muito possessivos ou territorialistas podem chegar a disputar água – e deixar desidratado o perdedor da disputa.
Se não houver regras claras, os cachorros escolherão o lugar para dormir. Isto pode ser positivo – por exemplo, quando o alfa ocupa todo o sofá e os demais precisam se contentar em ficar nas poltronas ou no tapete.
O ideal, no entanto, é que cada um tenha a sua caminha. É o espaço individual, que eles procurarão quando se sentirem indispostos ou apenas sem vontade de brincar. É preciso trinar os pets sobre a cama de cada um.
É possível que eles decidam dormir todos juntos, revivendo os dias em que eram filhotes e se acotovelavam com os irmãos. Mesmo assim, é importante que cada um tenha pelo menos uma almofada – e um cobertor para os dias frios.
O treinamento
Se você está introduzindo um novo cachorro na família, é possível que toda a matilha precise ser adestrada a responder aos comandos básicos (“sim”, “não”, “fica”, “senta”, etc.). Os cães mais antigos podem tentar burlar as regras, especialmente se forem animais dominantes.
Durante o aprendizado, utilize petiscos para reforçar os comportamentos positivos esperados. Educar mais de um cão ao mesmo tempo é trabalhoso, mas às vezes um ensina o outro. Valorize sempre as condutas certas.
Reforce as normas da casa. Em geral, os novatos tendem a imitar o comportamento dos veteranos. De qualquer forma, seja consistente: se eles não podem subir no sofá, eles nunca podem dormir no sofá.
Não castigue os cachorros mais velhos se eles rosnarem ou mostrarem os dentes. Estas atitudes não são necessariamente agressivas: na maioria das vezes, eles estão apenas “conversando” – e explicando que são mais antigos, mais queridos. Na verdade, eles estão apenas sentindo ciúme.
Cachorros estressados brigam mais frequentemente do que os ajustados. Por isso, mantenha uma rotina prazerosa e produtiva. Nunca os deixe muito tempo sozinhos e sempre ofereça um pouco do seu tempo para brincar e mimar os peludos.
A falta de atividades também gera tédio, que quase sempre se traduz por comportamentos destrutivos. Arrebentar brinquedos e almofadas, revirar a lixeira, derrubar tigelas de água, morder objetos, são sinais de um cachorro entediado. Imagine tudo isso multiplicado em uma casa cheia de pets.