Por que os cachorros de raça adoecem com mais frequência?

É uma condição genética: cachorros de raça adoecem com mais frequência. Entenda por quê.

Não se trata de uma regra geral, mas os cachorros de raça são mais suscetíveis ao desenvolvimento de certas doenças hereditárias – algumas delas graves. O motivo está na seleção artificial a que os peludos foram e continuam sendo submetidos.

Os cães começaram a viver com os humanos há cerca de 20 mil anos. Descendentes dos lobos europeus e asiáticos, foram selecionados os animais aptos à caça, mas também à convivência nos acampamentos e primeiras aldeias.

O desenvolvimento dos cachorros

Cachorros são os animais mais bem adaptados à convivência direta com os seres humanos. A espécie se desenvolveu no relacionamento conosco. Além da caça, da vigilância e de diversas funções de trabalho – do pastoreio à tração –, os peludos aprenderam a brincar conosco, cuidar dos nossos filhos, ficar ao nosso lado para fazer companhia.

Em termos evolutivos, no entanto, 20 mil anos é muito pouco tempo. Para garantir o temperamento dócil e as habilidades necessárias para o desempenho das diversas funções, nós levamos os cachorros à endogamia – o acasalamento apenas entre um grupo restrito de indivíduos.

Os cachorros de raça sofrem ainda mais desta “redução de possibilidades”. Para conferir um pedigree, por exemplo, as sociedades de cinofilia exigem a comprovação de ancestrais até três ou quatro gerações.

Isto significa que os cachorros de raça são animais com pouca variedade genética. Nós selecionamos os espécimes de acordo com as nossas necessidades: eles precisavam ser grandes ou pequenos, gregários ou mais isolados, barulhentos ou silenciosos, agressivos ou dóceis.

Os cachorros de raça são reconhecidos pelo porte, pelagem, especificidades anatômicas, além das características de personalidade e temperamento. Um cão pastor deve ser apto a permanecer por semanas apenas na companhia de cabras e ovelhas, enquanto, ao contrário, um puxador de trenó precisa se acostumar a permanecer com oito ou dez companheiros com quem divide as tarefas.

A seleção artificial

Os genes, contudo, oferecem um repertório limitado. As mesmas características genéticas valorizadas pelos criadores podem estar relacionadas a determinadas anomalias e doenças congênitas.

Um exemplo clássico é a seleção de cães molossoides: os primeiros representantes eram guerreiros (o molossus acompanhou os guerreiros romanos durante séculos de conquistas, entre 500 AEC e 500 EC). Aos poucos, eles passaram a desempenhar funções de guarda de patrimônio, cuidando de casas, pessoas, animais, etc.

Quase todas as raças molossoides, no entanto, são mais suscetíveis ao desenvolvimento da displasia de quadril – uma imperfeição no encaixe dos ossos da pelve e da coxa. Em menor grau, eles também podem apresentar displasia de cotovelo: o problema se repete, desta vez nos membros anteriores.

A doença quase sempre se manifesta em cães adultos e é comum na maioria das raças de grande porte, como os pastores alemães e belgas, rottweilers, bloodhounds, weimaraners, mastins napolitanos e tibetanos, etc.

Os cruzamentos consanguíneos tendem a reforçar as características desejadas, mas também transforma as anomalias genéticas em “heranças” para os filhotes. Criadores responsáveis procuram padreadores (machos) e matrizes (fêmeas) em canis diferentes e distantes, mas, mesmo assim, a população dos cachorros de raça é sempre limitada.

A miscigenação tende a reduzir problemas hereditários; por isso, os vira-latas (cães sem raça definida) são mais resistentes. Boa parte das enfermidades resulta das informações contidas em genes recessivos, que não se manifestam quando um gene dominante traz uma informação oposta.

Nos cães de raça, no entanto, os genes recessivos são transmitidos tanto pelos machos, quanto pelas fêmeas. Os filhotes apresentam, no seu DNA, a mesma informação transmitida pelos pais e mães – é isto que determina a manifestação das limitações anatômicas.

Problemas respiratórios

Os cães braquicefálicos – que apresentam o focinho curto e achatado – parecem ser uma unanimidade entres os amantes de cachorros. Eles foram criados de forma independente na Ásia (como o pequinês e o cão leão), na Alemanha (boxer) e na América (boston terrier).

Em função da estrutura anatômica, os animais braquicefálicos, em maioria, apresentam problemas respiratórios. Um focinho achatado implica vias aéreas superiores bastante curtas: eles são bonitos, mas respiram muito mal.

É o caso do boxer, shih tzu, lhasa apso, pug, boston terrier, boxer, buldogue francês, buldogue inglês, dogue de Bordeaux e pequinês. Além dos problemas respiratórios, eles apresentam palato mole prolongado – é o motivo dos roncos –, dificuldades para resfriar o corpo nos dias quentes e, com a idade, a insuficiência cardíaca é uma doença muito frequente.

Doenças hereditárias comuns

Além das displasias de quadril e cotovelo, bastante frequentes nos grandões, e da insuficiência cardiorrespiratória dos braquicefálicos, os cachorros de raça também podem apresentar:

alergias de pele – embora todos os cães possam apresentar o problema, golden retrievers e retrievers do Labrador são os mais suscetíveis. As alergias são frequentes em pastores alemães, schnauzers, dálmatas, shar-peis, pugs, buldogues ingleses e franceses, lhasa apsos, poodles e boxers;

Por que os cachorros de raça adoecem com mais frequência?
Os cães da raça Golden Retriever são mais suscetíveis as alergias de pele.

doença da válvula mitral – é a principal afecção cardíaca que acomete os cães e é mais comum nos machos e nos idosos (a partir dos sete anos). O diagnóstico é mais comum entre os poodles (toy e miniatura), chihuahuas, dachshunds, cavalier king Charles spaniels, schnauzers, pinschers, dobermans, cocker spaniel, borzóis e whippets;

Por que os cachorros de raça adoecem com mais frequência?
Doença da válvula mitral é mais comum nos cachorros da raça whippets.

otites – afetam especialmente os dachshunds, basset hounds, cocker spaniels ingleses e americanos, bloodhounds, beagles, coonhounds, afghan hounds, setters ingleses e irlandeses, papillons, corgis e, menos frequentemente, pinschers miniatura e chihuahuas. Cães aquáticos, como golden retrievers, retrievers do Labrador, poodles, terras novas, cheasapeake bay e os cães d’água portugueses, espanhóis e irlandeses também apresentam propensão para desenvolver transtornos no pavilhão auditivo, que podem inclusive levar à surdez;

Por que os cachorros de raça adoecem com mais frequência?
Otites são comuns nos poodles.

lesões do ligamento cruzado cranial – são injúrias degenerativas, mas também ocorrem em função de traumas (quedas, atropelamentos, etc.) e, nestes casos, podem afetar qualquer cachorro. Os animais começam a mancar e, sem tratamento adequado, podem ter a mobilidade totalmente comprometida. Normalmente, apresentam-se no início da vida adulta e prejudicam principalmente os cães de grande porte, como o São Bernardo, akita, mastim napolitano e tibetano, terra nova, chow-chow, american staffordshire terrier, retriever do Labrador, entre outros. O rompimento total do ligamento é frequente entre os rottweilers e os galgos ingleses.

Por que os cachorros de raça adoecem com mais frequência?
Alguns São Bernardos apresentam lesões do ligamento cruzado cranial.

Os tratamentos

As doenças genéticas não são um motivo para deixar de adotar cachorros de raça. Muitos veterinários e biólogos apontam a necessidade de melhor seleção dos cães braquicefálicos destinados à reprodução, mas os tratamentos são simples e apresentam bons resultados, desde que sejam adotados precocemente.

É importante salientar que o estilo de vida interfere de maneira mais acentuada na saúde dos cachorros. Quem pretende adotar um cachorro de grande porte deve fazer algumas adaptações em casa, como eliminar pisos escorregadios.

A carga e a intensidade dos exercícios físicos também pode comprometer os peludos, aumentando os riscos de transtornos ortopédicos. Os cachorros precisam se exercitar, correr, saltar e brincar, mas é preciso respeitar o ritmo de cada pet.

É importante certificar-se da idoneidade dos criadores e garantir o acompanhamento veterinário para todos os cachorros adotados, com pedigree ou sem raça definida. Uma vez diagnosticado algum transtorno genético, os tutores precisam dar início imediato às terapias recomendadas e segui-las à risca.

Com isso, a convivência com cachorros de raça se torna tão prazerosa quanto a parceria com os simpáticos e resistentes vira-latas. Antes de adotar, é importante conhecer as características de cada raça canina, as vantagens e limitações e garantir o pleno desenvolvimento dos peludos, para estabelecer uma convivência que se estenderá por mais de dez anos.

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