Falar com “voz de bebê” funciona com os cachorros?

Muitos tutores usam voz de bebê para cuidar dos cachorros. Confira se isto realmente funciona.

É muito comum humanos conversarem com os seus cachorros. A atividade fortalece os elos entre a dupla e é gratificante para ambos os parceiros. Menos frequente é falar com voz de bebê. Por mais estranho que isso possa parecer para muitos, a estratégia funciona muito bem, inclusive na aprendizagem.

Um grupo de pesquisadores húngaros publicou recentemente os resultados obtidos em uma pesquisa envolvendo o uso de diálogos como estratégia para melhorar a comunicação dos tutores com os cachorros. Os tutores que empregam a voz de bebê durante as conversas conseguem atrair a atenção dos cachorros com mais facilidade.

A pesquisa

Publicado em agosto de 2023, na revista científica Communications Biology, o estudo foi coordenado por Anna Gergely, etologista (especialista em comportamento animal), do Centro de Pesquisas em Ciências Naturais da Hungria, sediado em Budapeste.

Falar com “voz de bebê” funciona com os cachorros?

O periódico integra as publicações da Nature, a prestigiosa rede de publicações sobre ciências da natureza. Sediada na Inglaterra, Nature é publicada em interrupções desde 1869 e é uma referência para a construção do conhecimento acadêmico e, consequentemente, das aplicações tecnológicas das descobertas e invenções.

O estudo encontrou semelhanças entre a maneira como os cachorros e os bebês observam a fala humana e respondem a ela. A entonação empregada ao falar ajuda as crianças e os peludos a desenvolverem interações sociais e aprendam a se comunicar.

Falando com voz de bebê

Naturalmente, nas etapas seguintes do desenvolvimento cognitivo, as crianças desenvolvem a própria linguagem e ampliam mais e mais o vocabulário, dispensando o uso da chamada prosódia exagerada (no caso, falar como bebê).

Os cachorros, por outro lado, não possuem linguagem articulada. Eles apresentam um repertório limitado de latidos, ganidos e uivos, além de não usar palavras específicas para designar objetos, ações e ambientes.

Algumas pesquisas encontraram cães com repertório vocabular de cerca de mil palavras. Isto significa que estes gênios caninos emprestam significado específico a este conjunto de palavras, constituído especificamente por substantivos.

O vocabulário da maioria dos peludos, no entanto, não excede cem palavras, com a esmagadora maioria de substantivos. Alguns conseguem compreender adjetivos específicos. Por exemplo, eles podem entender “bola azul” e “bola vermelha”, diferenciando os dois objetos.

Falar com “voz de bebê” funciona com os cachorros?

Isto, no entanto, não é ampliado para outros objetos e situações. Um cachorro pode conhecer a bola azul (com que ele estabeleceu um relacionamento particular), mas não entende o adjetivo: não compreende, por exemplo, expressões como “céu azul” ou “blusa azul”.

Falando com voz de bebê, os tutores conseguem captar a atenção dos cachorros. A reação foi identificada com o uso de aparelhos de tomografia computadorizada. Quando os tutores ouvem a voz infantil, imediatamente são acionadas algumas áreas do cérebro.

A voz de bebê ativa especificamente os giros silvianos do lobo occipital. Os giros são os sulcos do cérebro, que aumentam a superfície do órgão, ampliando em consequência a área onde ocorrem as sinapses (conexões entre neurônios).

A função do lobo occipital é quase exclusivamente visual. A região cerebral está associada às cores, formas e movimentos. Uma pequena parte está conectada ao lobo temporal, que é a sede da memória e da cognição, mostrando a importância das informações sociais para a organização da troca de informações entre o meio e o “processador” cerebral.

Ao falar com voz de bebê, portanto, o tutor estimula áreas ligadas à interpretação da visão. Os cachorros “veem” com mais facilidade quando o tutor usa a prosódia exagerada para evocar uma ação (passear, correr, saltar, etc.) ou um objeto (bola, caminha, comida, etc.).

É desta forma que o cachorro consegue processar as informações. Ele também pode chegar às mesmas conclusões sem o recurso da voz infantil, mas, para tanto, precisará de outras conexões nervosas para obter o mesmo resultado.

Alguns estudos anteriores já haviam confirmado a maior sensibilidade dos bebês e dos cachorros à voz infantilizada, mas a pesquisa húngara é a primeira em que foram mapeadas alterações cerebrais durante as interações.

Ao pesquisar como os cachorros processam a fala dirigida a eles (e, em seguida, decidem sobre o que devem fazer) ajuda a compreender como a prosódia exagerada contribui para o processamento eficiente dos estímulos sonoros em uma espécie não verbal.

Os cachorros conseguem entender, há muito tempo, as ordens, comandos e desejos dos humanos, a partir de uma linguagem que não faz parte do cotidiano da espécie. Com isso, também passaram a identificar, na fala, os motivos de alerta e alívio, atenção e relaxamento.

Isto sugere que, ao longo de todo o período de domesticação, os cachorros sofreram adaptações neurais, justamente para tornar o relacionamento mais eficaz para os dois parceiros envolvidos. Esta é mais uma evidência que reforça da teoria da evolução através da adaptação das espécies.

O melhor amigo da mulher

Um ditado antigo afirma que o cachorro é o melhor amigo do homem; mas talvez a frase precise passar por algumas adaptações. Efetivamente, os peludos são leais, corajosos e persistentes, destacando-se por sempre querem agradar, divertir e defender os tutores.

O estudo húngaro, no entanto, levanta algumas especificidades. Durante a pesquisa, percebeu-se que o número de mulheres que usam a voz de bebê para falar com os cachorros é sensivelmente maior do que o de homens.

A pesquisa também concluiu que a comunicação é mais efetiva no relacionamento com as tutoras. Há séculos (talvez milênios), as mulheres usam a voz infantil para cuidar dos bebês; a adoção de cachorros exclusivamente para companhia não é tão antiga, mas perde-se na noite dos tempos.

O estudo usou como voluntários 12 homens e 12 mulheres, que conversaram com adultos, crianças e cachorros, com entonações diferentes. Graças aos tomógrafos portáveis e minimamente invasivos, os pesquisadores puderam observar reações naturais.

Falar com “voz de bebê” funciona com os cachorros?

Uma das conclusões da pesquisa é que os cachorros apresentaram sensibilidade muito maior às vozes femininas, especialmente naquelas intencionalmente alteradas para ficarem parecidas com entonações infantis.

Entre as mulheres, o uso da prosódia exagerada é mais frequente e tende a soar mais natural. É possível que os cachorros tenham se acostumado a “conversar” com as tutoras e atender às orientações ouvindo a voz infantil, que é igualmente associada a situações prazerosas (brincadeiras, afagos, etc.).

Falar com cachorro, usando voz de bebê ou não, não significa que os peludos estejam compreendendo o discurso que está sendo proferido pelos tutores. Na verdade, eles mal conseguem entender o que está sendo dito, com exceção de palavras isoladas.

Mas eles entendem a entonação e, como o estudo comprovou, a forma da fala influencia diretamente algumas áreas do cérebro vinculadas à compreensão da visão e ao aprendizado. Além disso, conversar com os peludos faz muito bem para a saúde e o bem-estar dos tutores. Os efeitos positivos já foram identificados em outras pesquisas.

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