Os cães compreendem os sentimentos humanos básicos

Assim como os humanos, os cães têm sentimentos e compreendem nossas reações básicas.

A imensa maioria dos tutores afirma que os cães, estes nossos filhos de quatro patas, nos compreendem profundamente, interpretando nossos sentimentos e emoções e reagindo a eles. Isto, para muitos, é apenas uma comprovação empírica, mas a ciência vem mostrando que se trata de um fato real do cotidiano.

A capacidade de compreensão dos cães tem se tornado mais evidente nas últimas décadas, porque os peludos adquiriram outro status, tornando-se principalmente animais de companhia, apesar de também exercerem outras funções.

Com a proximidade entre humanos e cães, ficou claro que os pets compreendem os sentimentos básicos e reagem a eles de acordo com cada situação específica: alegria, tristeza, raiva, comemoração, etc.

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A capacidade de compreensão

Um estudo do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), publicado no final de 2021, mostra que os cães conseguem prever o comportamento humano somente olhando para a fisionomia dos tutores e familiares próximos.

De acordo com a pesquisa, realizada em colaboração com a Universidade de Lincoln (Inglaterra), os peludos podem diferenciar emoções neutras, positivas (alegria, excitação) ou negativas (raiva, medo). Os psicólogos analisaram as reações de 90 animais voluntários.

Um artigo com as conclusões da pesquisa, intitulado “Dogs can infer implicit information from human emotional expressions”, foi publicado, em novembro de 2021, na revista “Animal Cognition”, periódico alemão de renome internacional.

Até o final do século 20, acreditava-se que a capacidade de “ler fisionomias de outros animais” era exclusiva dos seres humanos. Na primeira década do século atual, comprovou-se que outros primatas superiores, como gorilas e chimpanzés, são igualmente capazes de compreender expressões e sentimentos de outros animais.

Em 2016, Natália Albuquerque (coautora do artigo citado) demonstrou que os cães são capazes de reconhecer as emoções caninas e, dois anos depois, outra pesquisa mostrou que eles vão além, transferindo a habilidade para interagir com os humanos.

No artigo de 2021, os pesquisadores demonstraram que os cães compreendem que os estados emocionais alteram a fisionomia e a forma como os humanos se comportam e podem se ajustar a essas reações.

Neste experimento, concretizado em um laboratório do IP-USP, foram empregados 90 cães, duas atrizes e alguns objetos. O recrutamento dos pets foi aleatório, obedecendo apenas a alguns pré-requisitos: todos os animais são saudáveis, não agressivos e acostumados a transitar em ambientes novos.

Outra preocupação dos pesquisadores foi selecionar cães sem problemas de visão, já que se esperava mensurar as reações a partir de expressões fisionômicas a certa distância. Inicialmente, os pets foram introduzidos no laboratório e adaptados ao espaço.

As duas atrizes se vestiram com roupas idênticas e passavam alguns objetos uma para a outra, sempre em silêncio. Em seguida, elas se sentavam com um pote de ração em uma das mãos e uma folha de jornal na outra. Durante as atividades, elas foram instruídas a demonstrar, através de expressões faciais, sentimentos neutros, positivos (alegria) e negativos (raiva).

Em seguida, os cachorros foram soltos da coleira e começaram a interagir com as voluntárias. Em um primeiro momento, elas exibiam expressões neutras, revezando momentos de alegria e raiva. Para ganhar a ração, os cães precisavam encontrar estratégias para interagir.

A maioria dos cães tomou a iniciativa de procurar a atriz que mostrava sensações de alegria, evitando o contato com a que exibia sinais de irritação e raiva. Os testes foram exaustivamente repetidos e quase todos os pets (mais de 96%) concluíram que a melhor maneira de ganhar petiscos era procurar o rosto alegre.

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Isto significa que os cães estabeleceram uma complexa linha de raciocínio: eles identificaram sentimentos apenas a partir de gestos – não foi usada linguagem articulada nem contato visual direto entre as atrizes e os peludos – e decidiram qual seria a abordagem mais eficaz para atingir o objetivo de ganhar um pouco de comida.

Em entrevista para o “Jornal da USP”, a professora Briseida Resende, coautora da pesquisa, o estudo evidencia que os cães levam em consideração as expressões emocionais dos humanos para fazer escolhas. Os pets prestam atenção ao que nós fazemos e tomam decisões a partir disso.

Mais evidências

As pesquisas que comprovam a capacidade dos cães em identificar e interpretar os sentimentos humanos vêm se avolumando nas últimas décadas. Além da avaliação visual, os peludos são igualmente capazes de captar sinais químicos e fisiológicos emitidos pelo nosso organismo – que, muitas vezes, são despercebidos para nós.

Um estudo realizado por especialistas em comportamento da Universidade do Arizona (EUA), em 2022 demonstrou que os cães observam os tutores e até mesmo pessoas desconhecidas, assim como as crianças olham para os pais em busca de pistas sobre como reagir ao mundo ao seu redor.

Desta maneira, quando os tutores projetam sentimentos de confiança, alegria e tranquilidade, os cães tendem a encarar o ambiente, mesmo desconhecido, como um local seguro e protegido. O professor Clive Wynne, coordenador do estudo americano, explica:

“Os cães são seres incrivelmente sociais e, por isso, são facilmente influenciados pelo nosso afeto e alegria. A conexão emocional entre nós e os nossos melhores amigos é fundamental para o relacionamento.”

No entanto, o inverso também ocorre. A capacidade de identificar sentimentos também leva os cães a reproduzirem as emoções e sensações. Estresse e ansiedade nos tutores, por exemplo, podem gerar as mesmas reações nos peludos.

O contágio emocional

Esta troca de sentimentos entre espécies é derivada do fato de que tanto os cães quanto os humanos são seres gregários, que dependem do grupo para satisfazer as necessidades mais básicas. Em nosso caso específico, a longa parceria entre as duas espécies tornou a capacidade muito mais efetiva e funcional.

O contágio emocional interespécies possui fundamentos comportamentais, fisiológicos e emocionais. A transmissão de emoções e sentimentos depende da liberação de alguns hormônios, que resultam em alterações nos odores exalados.

Os cães são conhecidos pela capacidade olfativa. Eles conseguem captar neurotransmissores como a ocitocina, descoberta há pouco mais de 100 anos, relacionada ao trabalho de parto, mas também às expressões de amor e afeto.

Por outro lado, os peludos também identificam a serotonina, associada a sensações de calma e bem-estar, e se outras substâncias, como adrenalina, cuja produção surge em resposta a situações que exigem respostas imediatas: ela alcança o encéfalo em milissegundos, quando é preciso decidir as melhores estratégias de sobrevivência.

Esses hormônios acionam a rede neuronal dos cães, que reagem mostrando-se alegres, afetuosos, satisfeitos ou alarmados, de acordo com a situação. Mas não se trata apenas de uma percepção fisiológica: elementos emocionais e comportamentais também participam desta equação e provocam as mais diversas reações empáticas:

  • os cães bocejam quando os tutores bocejam – isto também ocorre entre os humanos;
  • o nível de cortisol dos peludos aumenta em situações de urgência – quando eles ouvem um bebê chorando, por exemplo. O cortisol está firmemente associado a situações de estresse;
  • eles reagem não apenas a cheiros e expressões fisionômicas. O tom da voz do tutor também é interpretado para os peludos tomarem decisões;
  • a ocitocina surge em momentos de muita felicidade. A produção do hormônio é aumentada não apenas durante os afagos e cafunés, mas pela simples presença dos tutores. Em alguns casos, imagens e sons também despertam a alegria tranquila dos peludos.
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Empatia afetiva

A expressão foi cunhada em 2020, por pesquisadores da Faculdade de Ripon (Wisconsin, EUA) e é definida como “a capacidade de compreender os sentimentos de outros seres”. A empatia afetiva surge apenas nos relacionamentos considerados significativos pelos cães.

O estudo demonstrou que os cães reagem quando humanos fingem rir ou chorar e dão mais atenção para as demonstrações de tristeza. Curiosamente, durante os experimentos, os pesquisadores identificaram maior estresse quando os peludos observavam pessoas estranhas chorando.

Seres sencientes

Estima-se que existam de 10 milhões a 50 milhões de espécies animais compartilhando o planeta – os zoólogos já catalogaram 1,5 milhão. Os vertebrados se distribuem em mais de 60 mil espécies. Mesmo assim, muitos humanos continuam acreditando que nós somos os únicos seres a manifestar e expressar emoções, sensações e sentimentos.

Esta visão antropocêntrica vem sendo alterada pelos cientistas nos últimos 30 anos. Os animais superiores, como cães, gatos e primatas, exibem e reconhecem estados emocionais complexos. Os cachorros não sentem apenas fome, sede, calor, frio e dor, mas também são capazes de expressar alegria, tristeza, raiva, medo, afeto, etc.

No livro “Wild Justice: the moral lives of the animals”, o biólogo americano Mark Bekoff, professor emérito da Universidade do Colorado, afirma que “é, no mínimo, solitário pensar que, em um mundo tão vasto, somente nós seríamos capazes de sentir e todos os demais estariam aqui apenas para nos servir”.

Os cães não apenas são capazes de sentir, como identificam as sensações e sentimentos em outros seres, especialmente nos mais próximos. Comprovadamente, a senciência está presente em algum grau em todos os vertebrados – e há indícios sólidos de que ela seja compartilhada também por alguns insetos, moluscos e vermes.

Um ser senciente é aquele capaz de reagir com sentimentos e sensações às diversas experiências do cotidiano. Esta capacidade é experimentada de forma consciente – não se trata de um mero instinto, que seria uma forma de inteligência rudimentar e, neste caso, a sapiência seria uma exclusividade dos humanos.

Sensações de dor ou agonia e emoções de medo e ansiedade são estados subjetivos muito próximos do pensamento e estão presentes em diversas espécies. Elas são mais fáceis de serem notadas nos cães porque, ao longo de milênios de convivência próxima, humanos e peludos desenvolveram respostas facilmente identificáveis.

A ciência está comprovando o que muitos tutores já sabiam no relacionamento com os pets. Eles são capazes de sentir, de identificar os sentimentos dos parentes e de traçar estratégias para reagir a eles.

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