Os cachorros são mais espertos do que os gatos?

As opiniões se opõem entre amantes de gatos e cachorros. Alguns pets são mais espertos do que outros?

Se depender das opiniões dos ailurófilos (os amantes de gatos) e dos cinófilos (de cães), não há nada para ser discutido: para os primeiros, os gatos são muito mais espertos – e eles podem enfileirar uma série de adjetivos positivos a lista de qualidades dos bichanos.

A ciência, no entanto, tende a responder que os cachorros são mais inteligentes e adaptáveis, especialmente quando consideramos as habilidades que a espécie desenvolveu na convivência com os humanos. Se a esperteza está relacionada ao número de conexões nervosas, os cães levam vantagem na comparação entre as espécies.

Os neurônios

Uma equipe multidisciplinar formada por cientistas de diversas instituições comprovou que, apesar de apresentarem menor volume craniano (comparativamente ao peso total), os cachorros têm o dobro de neurônios no córtex cerebral, quando comparados aos gatos.

Os cachorros são mais espertos do que os gatos?

Esta região do encéfalo, também conhecida como “massa cinzenta”, é a responsável pelo pensamento, início dos movimentos voluntários, equilíbrio, postura e movimento, análise e julgamento. Nos humanos, é também a sede da linguagem.

O estudo, publicado na revista científica “Frontiers of Neuroanatomy”, em 2017, foi conduzido por pesquisadores do Brasil (UFRJ e USP), dos EUA (universidades de Richmond, Califórnia e Vanderbilt, a patrocinadora da pesquisa), África do Sul (Universidade de Witwatersrand, de Johanesburgo), sauditas (Universidade King Saud, de Riad) e dinamarqueses (Museu Zoológico de Copenhague).

Biomédicos, psiquiatras, psicólogos, biólogos e veterinários estudaram a anatomia, a fisiologia e o comportamento não apenas de cães e gatos, mas de vários outros mamíferos carnívoros de pequeno e médio porte.

Os predadores foram escolhidos a partir da premissa de que a caça é uma atividade complexa, envolvida em diversos fatores que exige planejamento e estratégia, além de agilidade e força física (em relação a presa). A escolha permitiu comparar animais de portes diferentes, selvagens e domésticos, que vivem nas mais diversas latitudes.

Os pesquisadores descobriram que o córtex do cérebro dos cachorros apresenta um número total de neurônios (e, consequentemente, de ligações neuronais, ou sinapses) maior do que os órgãos de hienas, leões e ursos-pardos, apesar de esta última espécie ter um córtex dez vezes mais pesado.

O urso-pardo, aliás, apresenta o mesmo número de neurônios no córtex cerebral do que o observado nos gatos domésticos, apesar de ter dez vezes mais células não neuronais em todo o cérebro. O gato-selvagem-de-patas-negras, apesar de se parecer com um filhote, tem o dobro de neurônios em comparação com os nossos bichanos.

Os cachorros possuem dez vezes mais neurônios no córtex cerebral do que os gatos. Este número é semelhante ao encontrado nos guaxinins, o que sugere que os cães não ampliaram as conexões neuronais durante a convivência com os humanos, já que espécies selvagens (como o mão-pelada, o simpático guaxinim brasileiro) também desenvolveram grande número de sinapses para responder às necessidades da vida diária.

A composição neuronal dos animais domésticos não foi, portanto, impactada significativamente com a presença humana. É possível especular que os cães selvagens que se aproximaram dos nossos acampamentos já eram versáteis e disponíveis para diversas tarefas, enquanto os ancestrais dos gatos domésticos eram mais especializados.

Versatilidade e adaptação

Durante muito tempo, acreditou-se que os cães que se aproximaram dos nossos ancestrais, há alguns milênios, eram os mais dóceis, que aceitavam restos de alimentos e, em troca, exibiam docilidade em relação aos grupos humanos, ao mesmo tempo em que defendiam ferozmente os novos amigos de eventuais invasores e adversários.

Atualmente, a maioria dos etologistas concorda em que as duas espécies se aproximaram e tiveram benefícios mútuos enquanto praticavam a caça conjunta: os cachorros não eram auxiliares, mas protagonistas das caçadas.

Os cachorros são mais espertos do que os gatos?

O estudo demonstra, por outro lado, que eles já exibiam habilidades diversas, além da caça e da guarda. Na genética canina, já havia informações para o desempenho de várias tarefas. Além disso, os cães são extremamente habilidosos na interação social.

Eles possuem, por exemplo, a mesma mutação no cromossomo 7 que, nos humanos, determina a síndrome de Williams, considerada o oposto do transtorno do espectro autista. Os portadores são comunicativos, sociáveis, com tendência a se aproximar de estranhos, muito falantes e, por isso, dotados de excelente vocabulário.

Esta síndrome também traz algumas deficiências. A aquisição da linguagem é mais lenta nas crianças e os portadores têm dificuldade para se concentrar em um único assunto, o que pode determinar problemas no aprendizado. Em alguns casos, a desinibição pode causar situações constrangedoras.

Não se sabe se o cromossomo 7 alterado é responsável pela sociabilidade dos cachorros, mas eles são realmente alegres e festeiros. A espécie desenvolveu a capacidade de agradar o grupo – condição muitas vezes associada à satisfação das próprias necessidades e vontades.

Com a parceria entre cachorros e humanos, esta versatilidade se revelou extremamente proveitosa. Eles se especializaram em diferentes tipos de caçada (confronto com grandes presas, rastreio em terrenos áridos e alagados, etc. São os pointers, setters, sabujos (hounds), filas (aqui, o sentido de “filar” é agarrar e não soltar).

Os cães acompanharam os humanos em guerras e expedições de conquista, espalhando-se por todo o planeta. Esta distribuição também foi propiciada pelas migrações humanas, que se intensificaram com o fim da última Era Glacial, há cerca de 14 mil anos.

Todas estas andanças provocaram mudanças profundas nos cães. Eles passaram a exibir portes diferentes – como um chihuahua e um São Bernardo –, pelagens diferentes – como um husky siberiano, um komondor e um pelado peruano – e, principalmente, temperamentos diferentes.

Tudo já estava previsto na imensa capacidade cerebral canina, que consegue fazer milhões de conexões simultâneas. Elas foram incentivadas para que um mesmo cachorro, como um samoieda, fosse o parceiro ideal para conduzir trenós, caçar focas, proteger contra ursos-polares e aquecer bebês nas frias cabanas instaladas na tundra canadense.

E os gatos?

A nossa parceria com os gatos é bem mais recente: ela surgiu quando os primeiros grupos humanos começaram a estocar parte da produção agrícola, tanto para garantir alimento entre as safras, quanto para comercializar com outros povos, adquirindo proeminência econômica (e, portanto, política).

Os cachorros são mais espertos do que os gatos?

Isto ocorreu entre oito mil e seis mil anos atrás, notadamente no Egito e na Mesopotâmia. Os egípcios antigos já apreciavam as virtudes felinas, como se pode verificar em gravações e afrescos em palácios, templos e monumentos funerários. A deusa Bastet, que tinha a fecundidade entre as suas atribuições, era representada como uma gata.

A função destinada para os bichanos também manteve a independência da espécie, assim como ocorreu mais tarde entre cães pastores e caçadores solitários. Cabia aos gatos o combate aos roedores que infestavam os silos – naturalmente, ratos & cia. gostaram muito de encontrar depósitos repletos de grãos comestíveis, sem necessidade de se expor a predadores durante a coleta.

Os gatos foram levados para outras regiões de grande produção agrícola, como Oriente Médio, Turquia, Pérsia, Índia e sudeste asiático. Eles também se tornaram bons parceiros dos marinheiros, caçando ratos nos porões dos navios.

Assim surgiram várias raças: angorá (Turquia), persa (Irã) e siamês (Tailândia), que se uniram aos egípcios e abissínios. Na década de 1990, no entanto, o mapeamento genético da espécie revelou que, tecnicamente, existem apenas duas raças de bichanos: os de pelo curto e os de pelo longo. As demais são apenas variedades.

A partir do século 18, os britânicos, que estabeleceram colônias de exploração ao redor do mundo inteiro, ficaram fascinados com os gatos exóticos do Oriente e espalharam siameses, persas, himalaios e angorás ao redor do planeta. Foram os ingleses que inventaram as variedades do siamês (chocolate, creme, azul, etc.). os gatos originais eram brancos com as extremidades marcadas em cinza ou preto.

Apesar de também estarem espalhados por todo o planeta (no Brasil, eles ocupam o segundo lugar na preferência dos tutores), os gatos conseguiram manter certa distância em relação aos humanos. Eles são carinhosos e meigos, mas são independentes e não fazem questão de agradar.

A inteligência felina só é inferior à canina nas atividades desenvolvidas juntamente com os humanos. Assim como todas as espécies, os gatos estão no auge da sua evolução: eles venceram os desafios propostos pela natureza e conquistaram o mundo, com uma pequena ajuda dos humanos.

Para quem está na dúvida sobre adotar um gato ou um cachorro, talvez a melhor opção seja adotar os dois. É prazeroso e divertido acompanhar o desenvolvimento e a interação de duas espécies tão diferentes, que conseguem encontrar interesses comuns. A presença dos gatos torna os cães mais mansos e tranquilos, enquanto os bichanos que vivem com cachorros são mais sociáveis e participativos.

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