Não existe uma resposta definitiva. Alguns cachorros gostam muito de beijos, outros odeiam.
Pode parecer surpreendente para os tutores de cachorros – especialmente os tutores beijoqueiros – mas nem todos os cachorros gostam de beijos. Alguns apenas toleram, principalmente por causa da proximidade com os humanos, enquanto outros odeiam francamente estas demonstrações de carinho.
Os cachorros são mestres na identificação dos sentimentos dos humanos: milênios de convivência nos tornaram quase totalmente previsíveis para eles. Mas há um problema: o beijo, para nós, é uma demonstração de afeto.
Os motivos do beijo
Esta mostra de carinho e amor, contudo, não é natural: o beijo não figura entre as manifestações espontâneas da maioria das espécies animais. Em geral, a aproximação de lábios tem um objetivo específico: obter algum alimento – e o gesto é limitado à relação das mães e pais com os filhotes.
As aves costumam regurgitar comida na boca dos bebês; este, entretanto, não é um gesto de carinho, mas de sobrevivência. Na natureza, além dos humanos, apenas os chimpanzés (inclusive os bonobos, ou chimpanzés-pigmeus) se beijam realmente.
Os etologistas ainda discutem se o beijo é um gesto natural entre nós, ou se ele foi aprendido e ressignificado em algum momento da nossa trajetória. Os primeiros registros de beijos sensuais datam de 1200 AEC e constam do livro védico “Satapatha”.
É provável que os beijos de afeto já existissem antes, como sugerem algumas pinturas rupestres muito mais antigas, datadas de 2500 AEC. Os beijos em animais de estimação, no entanto, são uma novidade bastante recente.
Cachorros e beijos
Tente imaginar a seguinte situação: um ser gigantesco se aproxima de você, o agarra com as mãos, eleva você no ar, em direção à cabeça imensa, com uma boca desmesurada que se aproxima lentamente. Conseguiu pensar na hipótese?
É quase certo que um cachorrinho de pequeno porte – um yorkshire terrier ou um chihuahua, por exemplo –, ao ser pegado no colo e levado à boca para receber um beijo, se sinta apavorado – pelo menos nas primeiras ocorrências.
Naturalmente, os cachorros se adaptam com rapidez e facilidade aos hábitos da família humana. Para eles, desde que as necessidades básicas sejam satisfeitas e os carinhos estejam garantidos, suportar as esquisitices dos tutores não é nada difícil.
Os peludos aprendem rapidamente a viver com tutores atléticos ou sedentários, jovens ou idosos, agitados ou tranquilos. Para eles, depois do primeiro susto, escutar o humano cantando a plenos pulmões embaixo do chuveiro é absolutamente normal.
O mesmo acontece com os beijos e outras manifestações de carinhos entre espécies. Inicialmente, elas podem não ser reconhecidas e até recusadas, mas em pouco tempo se incorporam ao repertório dos rituais domésticos.
Muitos tutores, ao acordarem pela manhã ou ao voltarem para casa no fim de um dia cheio, pegam os cachorros e os beijam na cabeça. Com o passar do tempo – e com as repetições –, os peludos são suficientemente inteligentes para entender que beijos são expressões de amor.
Desta maneira, eles se acostumam ao gesto, gradualmente se identificam com a manifestação de afeto e passam a esperá-la, às vezes de forma insistente e ansiosa.
Eles também podem aprender a retribuir o gesto de afeto. Os cachorros gostam de lamber o rosto e as mãos dos tutores, para demonstrar amizade e carinho. Mantidas as condições de higiene necessárias, não há motivos para impedir os lambeijos.
Alguns cachorros, nunca se acostumam. Em alguns casos, o beijo pode significar uma invasão do espaço de um cão territorialista. Em outros, pode ser apenas desconfortável. Se o cachorro reage destas maneiras, os tutores precisam entender e renunciar ao gesto, apesar das boas intenções.
Estranhos inoportunos
A situação é completamente diferente quando o beijador é uma pessoa desconhecida. Alguns humanos (um tanto quanto sem noção) têm o hábito de pegar no colo, acariciar e beijar os cãezinhos das casas que visitam.
Mesmo que os peludos estejam acostumados a manifestações efusivas de afeto, boa parte deles entende que estes gestos são reservados: nem todos os humanos devem receber beijos e lambidas. Alguns deles nem sequer merecem esta consideração.
Alguns humanos apaixonados por cachorros chegam a beijar animais desconhecidos nas ruas, durante encontros nas caminhadas pela cidade. Naturalmente, para essas bocas disponíveis, trata-se de um sério risco – de ficar sem parte dos lábios, por exemplo.
Para os cachorros, nestas situações, repete-se a situação do gigante que os arrebata pelo ar, em direção à boca: é uma sensação de pânico que merece uma resposta à altura. Com medo de despencar das alturas ou de ser devorado, não é de estranhar que o cãozinho meta os dentes no provável agressor.
Beijos, abraços e afagos são momentos reservados para grandes amigos. Existem cachorros muito sociáveis, que aceitam carinhos até mesmo de estranhos, mas a maioria é reservada com desconhecidos.
Os nossos melhores amigos gostam muito de uma rotina ajustada e previsível. Por isso, eles não gostam nem sequer de visitas inoportunas – nem mesmo do carteiro ou do entregador do mercado. Eles preferem a vidinha tranquila e pacata, sem grandes alterações.
Com pessoas desconhecidas, os cachorros não conseguem antecipar as intenções e gestos. Em outras palavras, eles não sabem o que os visitantes farão em seguida. Por isso, nesses momentos, os beijos não são apenas inoportunos: são estressantes e merecem resposta à altura.