O preconceito contra as raças bravas

Em 2019, surgiu um boato de que Adriana Esteves, uma atriz de telenovelas teria sido atacada por um chow chow e ficado seriamente ferida. A notícia, que dizia tratar-se de uma raça perigosa, era falsa, mas a má fama do chow chow ainda pode ser acompanhada nas redes sociais. 

É o caso de pensar: será que as raças são mesmo bravas? Haverá componentes genéticos relacionados à ferocidade, agressividade e violência? É comum assistir a casos de ataques de cães ferozes no noticiário de TV e algumas cidades estabeleceram legislações específicas.

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Leis que não pegam

Em São Paulo (SP), por exemplo, há leis que determinam sobre a condução de alguns cães nas ruas. Os pitbulls e rottweilers, entre outros, só podem passear paramentados com focinheira e guia curta, para não atacar os transeuntes.

Mas como a lei é omissa sobre a responsabilidade pela fiscalização, os cachorros de raças bravas continuam transitando normalmente. Também não foi definido pelos legisladores como identificar o tutor, nem de que forma aplicar as penalidades, que incluem multas de um salário mínimo e apreensão do animal.

Cães de má fama

Alguns cães foram selecionados principalmente em função da sua agressividade e força física. Desde o tempo dos antigos romanos, os molossos (que deram oridem aos atuais molossoides, como o são bernardo e o mastim napolitano) eram criados para acompanhar os exércitos nas guerras de conquistas.

Era uma característica desejada à época. Os cachorros não partilhavam a intimidade das famílias: eram criados para atividades específicas, como a caça, a guarda de rebanhos e a guerra. Isolados, eles eram quase feras selvagens vivendo a poucos metros dos humanos. 

Muita coisa mudou desde então. Os cachorros tiveram o status modificado – e muitas raças surgiram e desapareceram por serem especializadas em atividades que não mais interessavam aos humanos – e hoje são basicamente animais de companhia. 

Cachorros descendem dos lobos e, por isto, carregam genes de violência e agressividade necessárias à vida na selva. No entanto, uma característica hereditária pode ser atenuada ou potencializada. Animais desenvolvidos para brigas em rinhas eram comuns até o século 19. 

A partir do século 20, as rinhas de cães perderam a popularidade. Antes disso, animais como o lutador de Córdoba, desenvolvido na Argentina, e o buldogue inglês encantaram os amantes de lutas com a sua tenacidade, persistência e violência. 

Atualmente, o buldogue inglês é um cachorro simpático e bonachão, que não representa nenhum perigo, e o lutador de Córdoba desapareceu. Mas eles deixaram descendentes, como o dogo argentino, também especializado na caça de animais como suçuaranas e javalis – ele ainda é considerado um excelente caçador. 

Todos os cachorros, por outro lado, passaram a conviver com humanos justamente em função das características de sociabilidade e fidelidade. Como animais gregários, eles estão sempre prontos a obedecer às ordens dos tutores. Parte destes peludos continua sendo incentivada à agressão e ao ataque.

O pitbull

Atualmente, o pitbull é provavelmente o cão que mais enfrenta o preconceito. A tendência é acreditar que esta é uma das “raças bravas”, mas estes cachorros, em geral, costumam apresentar caráter equilibrado, atento, fiel e inteligente.

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O padrão oficial da raça afirma que o pitbull faz amizade facilmente com estranhos, não sendo incluído, por este motivo, entre os cães de guarda. Efetivamente, foram empregadas raças potencialmente agressivas para chegar ao pitbull, mas isto ocorreu em meados do século 20. 

Hoje em dia, os criadores responsáveis selecionam os animais mais tranquilos para serem usados no acasalamento, castrando os filhotes que exibem comportamentos indesejados. Mesmo assim, nenhum canil consegue impedir que maus tutores potencializem algumas características da raça. 

Os pitbulls são determinados – muitos diriam que eles são teimosos –, extremamente fortes fisicamente para o porte da raça, conseguem escalar muros e árvores com facilidade e são animais territorialistas. 

Com toda esta força, pitbulls podem escapar da casa em que vivem e, por não perceberem que estão em “terreno neutro”, podem decidir investir contra os transeuntes – cães ou humanos. Os cruzamentos seletivos, no entanto, têm garantido cachorros cada vez mais dóceis e obedientes, bem ajustados emocionalmente.

Bull terrier

Estes cães surgiram por volta de 1860, provavelmente como resultado de cruzamentos entre antigos buldogues ingleses, bull-and-terriers e terriers brancos, (todas estas raças estão atualmente extintas). São animais desenvolvidos para os chamados esportes sangrentos – lutas com touros (bulls, em inglês), lobos e ursos, proibidas ainda no século 19.

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A raça é uma verdadeira experiência de laboratório: além dos cães de luta, dálmatas, whippets e pointers espanhóis foram empregados nos cruzamentos, para obter cães brancos e elegantes (moda da época), além de rough collies e borzóis para alongar o focinho. 

Os bull terriers são conhecidos por sua marca registrada: a ausência de stop, o ponto de encontro entre os ossos nasais e frontais, que confere uma expressão viva e inteligente. Mas os cães da raça também se tornaram famosos pela agressividade e brutalidade. 

Efetivamente, estes cães são teimosos e pouco afeitos ao adestramento. Por outro lado, são animais equilibrados, corajosos e extremamente amáveis com outras pessoas, inclusive com estranhos, característica que transmitirão aos pitbulls, que são seus descendentes. 

 O bull terrier é um cão de companhia – não é indicado para guarda pessoal ou patrimonial. Ele continua sendo um cachorro musculoso e forte, “heranças” dos tempos de luta, mas é um parceiro ideal para famílias, inclusive crianças.

Rottweiler

A aparência e o porte físico destes cães já são suficientes para assustar. Com seus imponentes 65 kg de peso e 70 cm de altura, o rottweiler é um animal impressionante. A raça foi desenvolvida, na Alemanha, inicialmente para a guarda de rebanhos, o que explica muito sobre o temperamento destes cães.

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Cães boiadeiros são especializados no manejo de gado bovino e precisam ser convincentes para atenuar os ânimos de um touro irritado, conduzir animais para o confinamento, acalmar vacas com filhotes para facilitar a ordenha. 

Os boiadeiros das Ardenas, de Berna, da Flandres e de Entlebuch, o pastor australiano (aparentado com o dingo, um cão selvagem da Oceania) e o grande boiadeiro suíço, além do rottweiler, se acostumaram a passar longos tempos sozinhos, no pasto, defendendo o gado contra lobos e ursos. 

O rottweiler manteve a característica. É um cachorro silencioso, de poucos amigos, avesso aos contatos sociais. Ele se irrita facilmente quando é exposto à convivência com estranhos, que, para ele, querem “roubar o gado” – mesmo que não haja gado nenhum nas redondezas. 

Por motivos semelhantes, rottweilers gostam de perseguir automóveis, motocicletas e carroças. Eles entendem que os veículos são reses desgarradas, que precisam ser reconduzidas ao rebanho. Mas, outra utilidade contribuiu para atenuar as características de ferocidade e isolamento da raça. 

Os primeiros rottweilers surgiram no final do século 18, com a função específica de guardar rebanhos nas planícies, já que os colegas montanheses não se adaptaram ao terreno plano das fazendas alemãs. Em pouco tempo, no entanto, eles passaram a ser empregados também na tração. 

Alguns rottweilers se tornaram responsáveis por conduzir tonéis de leite das fazendas para as casas do entorno. Com isso, começaram a ter contato mais próximo com humanos. Os animais de hoje continuam sendo um pouco avessos ao convívio com grupos numerosos, mas são leais à família e possuem um forte instinto de proteção. Por isso, ainda são usados como cães de guarda.

Dobermann

Trata-se de uma das poucas raças cujo nome do criador foi preservado pela história. Por volta de 1860, Karl Friedrich Louis Dobermann era um servidor público, responsável pela coleta de impostos na Turíngia, Alemanha.

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Sempre transitando com muito dinheiro, o servidor público era alvo constante dos ataques de ladrões. Para resolver o problema, ele decidiu cruzar cães de algumas raças, como weimaraner, pinscher alemão, pastor de beauce, Manchester terrier e “cães de açougueiro”, os ancestrais dos weimaraners. 

A estratégia deu certo: Dobermann obteve uma linhagem de cães robustos, ágeis, determinados, fortes, protetores, atléticos e resistentes (para acompanhar o coletor de impostos em suas andanças pela Alemanha). 

Especificamente, é uma raça criada para guarda pessoal. O dobermann é um cão fiel ao tutor, mas não gosta de socializar com outras pessoas, especialmente com estranhos. É um animal dominante – tende a se tornar o líder do grupo – e, por isso, não é indicado para famílias inexperientes. 

O dobermann não é um cachorro que ataca indistintamente. Ele é equilibrado com a família, tolera outros animais de estimação e alguns estranhos – desde que o tutor esteja presente – e revela-se equilibrado e ajustado. Os cães da raça devem ser socializados desde filhotes e muitos deles demandam um adestrador profissional.

Mastim napolitano

A raça é descendente direta do molosso romano (ou cane pugnax, cão de luta) e um parente próximo do cane corso. Alguns relatos sobre os cães que acompanhavam as legiões de centuriões na Antiguidade parecem descrever perfeitamente o mastim napolitano, cujos avós talvez sejam ainda mais antigos, porque ele também se parece bastante com desenhos de um animal assírio.

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Os animais modernos descendem de uma raça de animais de fazenda que quase desapareceu na primeira metade do século 20. Em 1914, Mário Monti, um criador italiano, apresentou um ancestral dos mastins napolitanos em uma exposição em Milão (Itália), mas os juízes o eliminaram, porque o cachorro não se enquadrava a nenhuma raça conhecida e, por isso, não tinha “padrão”. 

Monti procurou animais semelhantes em diversas cidades italianas e deu início à criação da raça. Em 1952, a raça foi finalmente descrita em um livro de cinologia, mas o padrão oficial só foi estabelecido em 1965. 

Um mastim napolitano pode atingir até 77 cm de altura na cernelha. A sua cabeça é a maior entre todas as raças caninas. As rugas das faces ajudam a construir a fama de mau, mas trata-se de um cachorro dócil e extremamente paciente, especialmente com crianças. 

Os mastins napolitanos são fortes, leais e equilibrados. Amigos de toda a família, convivem sem problemas com outros animais de estimação, mas possuem um forte senso de proteção: se observarem que a família ou a propriedade estão sendo ameaçados, eles atacarão com ferocidade qualquer invasor. 

Os cães da raça demandam adestramento desde filhotes, a partir de tutores exigentes, rígidos e experientes – o mastim napolitano também não é um cachorro para marinheiros de primeira viagem. 

Eles também precisam passear e conviver com outros cachorros e humanos, para não desenvolver tendências de isolamento. São cães extremamente ágeis, não toleram o confinamento e podem se tornar muito agressivos se ficarem sozinhos por longos períodos diários. 

Caso os tutores saiam de casa por qualquer motivo, ninguém poderá entrar se um mastim napolitano estiver “controlando o acesso”. No entanto, eles nem precisam demonstrar sinais de agressividade e violência: a aparência nobre e sólida é suficiente para desestimular a ação de possíveis invasores.

Akita inu

Ele entra quase de gaiato na lista das raças bravas. O akita é considerado um cão de grande porte – os adultos atingem de 35 kg a 40 kg – e isto deve ser respeitado. Ele precisa de espaços amplos e de muito exercício. Ele impõe respeito pelo tamanho, não pela agressividade.

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A raça foi desenvolvida no Japão, especificamente para a luta entre cachorros. O “esporte” era tão popular que os akitas inu se espalharam rapidamente por todo o arquipélago. Com o declínio das brigas, no século 19, estes cães deixaram de cruzar com animais mais pesados, fato que ajudou a preservar a raça. 

Esta é uma raça que agrada a família toda, das crianças aos idosos. Bem adaptado, ele está sempre procurando brincadeiras e explorações. Mesmo assim, o akita é basicamente um cão de guarda. Ele late pouco, já que o forte da raça é a observação e a aproximação repentina.

Fila brasileiro

A história da raça se confunde com a colonização do país pelos portugueses. Quando estes trouxeram gado para a Bahia (e posteriormente para outras regiões), trouxeram também cães boiadeiros, os ancestrais do fila brasileiro.

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O fila brasileiro é um cachorro molossoide: os machos atingem 75 cm de altura na cernelha e pesam até 50 kg. Os avós dos cães da raça também ajudaram os bandeirantes a explorar o interior do país, a partir do século 16. É um cão rústico, resistente, forte e independente. 

Com excelente faro e bem equipados para a caça e o manejo do gado, estes animais também foram usados, infelizmente, para apreender índios (ou trucidá-los) e, posteriormente, para caçar africanos escravizados nos quilombos. 

Anatomicamente semelhante a um bloodhound, o fila brasileiro provavelmente descende de antigos buldogues e cães de rebanho espanhóis portugueses. O primeiro padrão da raça foi descrito apenas em 1954, mas este padrão foi alterado, segundo a Confederação Brasileira de Cinologia (CBKC), para adquirir uma expressão “menos intimidadora”. 

O fila brasileiro é realmente bravo, não tolera estranhos e não se adapta bem a ambientes muito movimentados. Por outro lado, é um animal equilibrado e dócil, podendo servir de companhia mesmo para crianças pequenas. 

Empregado principalmente como cão de guarda atualmente, o fila brasileiro não aceita a presença de estranhos e é bastante protetor, especialmente com os seres que ele considera frágeis. É um cão que não faz festa para estranhos, mas, em uma festa no jardim, ele é capaz de encontrar um canto sossegado – sem precisar investir contra ninguém.

Conclusão

Existem determinantes genéticos para a expressão mais ou menos acentuada da agressividade dos cachorros. Algumas raças, desenvolvidas para o ataque, naturalmente são mais violentas, mas é preciso lembrar que cachorro é cachorro: eles gostam de conviver com humanos e esforçam-se ao máximo para nos agradar. 

Os principais agentes que definem a violência de um cachorro são os maus tratos, negligências e abusos. Quando estes comportamentos se aliam a componentes hereditários, surge a receita perfeita para criar um “cachorro assassino”. 

Como qualquer outro animal, todos os cachorros podem ser bravos, perigosos e violentos. Mas, enquanto a mordida de um chihuahua provoca apenas arranhões superficiais, a de um dogue alemão pode causar uma fratura óssea. Animais de porte médio e grande são, portanto, mais suscetíveis de agressões e acidentes do que os pequenos. 

Tenha em mente, sempre, que os cachorros são os melhores amigos dos humanos. Eles precisam ser apresentados às regras da casa, socializados, educados. Exatamente como as nossas crianças. Bem ajustados, cães são puro amor – com algumas pitadas de afeto e alegria. Cada um tem os seus gostos e necessidades.

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