Conheça alguns mistérios e enigmas com cães

Os cães são bons companheiros, mas eles também se envolvem em enigmas e mistérios. Confira.

Um ditado espanhol afirma: “creer em brujas no creo, pero las hay”. Em tradução livre, é algo como: “não acredito em bruxas, mas elas certamente existem”. Quase todos nós cultivamos crendices e superstições e os cães, nossos mais fiéis escudeiros, não poderiam deixar de participar dos mistérios e enigmas do aquém e do além – algumas vezes, como protagonistas.

Em muitos casos – que ninguém testemunha pessoalmente, mas sempre “ouve de fonte fidedigna” (e quase sempre anônima) –, os cães surgem como fantasmas ou entidades míticas. Em outros, eles parecem perceber a presença de seres incorpóreos maléficos ou benéficos e interagir com eles.

mistérios e enigmas com cães

“Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”, disse o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), através do personagem Hamlet. Mas nenhum mistério canino ou humano tem explicações (quando elas são encontradas, as crenças perdem a razão de ser).

Mesmo assim, os mistérios e enigmas, inclusive os que envolvem os cachorros, podem servir como consolo e alento para muitas pessoas – e ninguém pode negar-lhes este direito. Os casos do além têm ainda outro mérito: eles são úteis para fazer passar o tempo – em um apartamento lotado em uma tarde chuvosa na praia, ou nas noites escuras em barracas de um camping selvagem, por exemplo.

Apresentamos a seguir alguns casos de mistério envolvendo os nossos melhores amigos – ou outros seres que assumem aparência canina. Parte deles é divertida. Outros são apavorantes, ou apenas nos fazem refletir sobre a vida. Evidentemente, nada disso tem comprovação – e alguns nem sequer têm lógica.

01. O Hellhound

Cães infernais são recorrentes na literatura e na mitologia. Os gregos antigos, por exemplo, acreditavam que a entrada para as regiões subcrostais – a morada dos mortos – era vigiada por Cérbero, um cachorro de três cabeças cuja função era dilacerar as sombras que tentavam escapar e também os vivos dispostos a se aventurar no submundo.

Cérbero foi vencido por Hércules – este é um dos 12 trabalhos do famoso herói, ele próprio submetido, pelo Oráculo de Delfos a várias purgações, por causa do assassinato da mulher e filhos (em um acesso de loucura). Euristeu, rei de Micenas, foi designado pelo deus Apolo para impor as tarefas. Ante a visão do cachorro monstruoso, porém, o monarca se acovardou e pediu que o semideus levasse o canzarrão de volta para o Hades.

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A lenda do Hellhound provavelmente se inspirou no mito grego, mas a entidade tem liberdade para circular por qualquer lugar. Este cão do inferno ocupou o imaginário popular dos europeus até poucos séculos atrás. Ele também inspirou alguns mitos nos EUA.

O bichão recebeu vários nomes em diferentes épocas e locais: ficou conhecido, na Inglaterra e colônias britânicas como Black Chuck, Barghest, Moddey Doo, Yeth Hound e, principalmente, como Black Dog. Até hoje, nos países de língua inglesa, a adoção é sempre mais difícil para os cães de pelagem preta.

O Hellhound é descrito como um grande de pelos pretos emaranhados, muito forte, ágil e veloz, com olhos vermelhos flamejantes. Ele é o guardião dos portais da morte, como os cemitérios. Ele também captura as almas pecadoras, para levá-las ao Inferno.

Em outras lendas, o Hellhound pune os que zombam dos mortos e os que duvidam da continuação da vida. A presença pode ser identificada através do odor fétido do seu hálito. Dotado de poderes sobrenaturais, ele persegue os incrédulos e impenitentes, podendo inclusive levá-los à loucura com as suas aparições.

Em algumas culturas, ouvir, ver ou sentir o cheiro do Hellhound é sinal certo de morte iminente. Os galeses evitavam sair à noite porque, se ocorressem três encontros depois do pôr-do-sol, nada poderia impedir o óbito, apenas a intervenção direta dos santos.

02. Os cães de Overtoun Bridge

Esta ponte é uma estrutura de interesse histórico, que dá acesso a Overtoun House, construção do século 19 que guarda um importante acervo sobre a história da Escócia. Fica próximo a Dunbartonshire, no sul do país e é palco de alguns eventos fantasmagóricos pelo menos desde a década de 1950.

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Overtoun Bridge, na aproximação de Overtoun House

Nessa época, os moradores da vizinhança passaram a se referir ao local como “Ponte da Morte” e “Ponte dos Cães Suicidas”. Algumas testemunhas relataram que muitos cachorros, inclusive de estimação, saltavam dos beirais, para encontrar a morte na ravina logo abaixo.

A história sempre foi considerada uma lenda local, mas volta e meia voltava a atrair a atenção da imprensa. Mas, sem explicações plausíveis e, principalmente, sem provas como fotos e filmagens, a Ponte da Morte voltava a cair no esquecimento.

Em 2004, o escocês Kenneth Meikle estava passeando com a família pelo local. Assim que avistou a ponte, o cachorro de Meikle, um golden retriever, saiu correndo e precipitou-se e despencou na ravina. O animal sobreviveu, mas teve de submeter-se a um longo tratamento de reabilitação.

Não havia provas do salto, mas, dessa vez, as evidências eram muito mais contundentes. Meikle, a mulher e os filhos contaram a mesma história. Além disso, o cachorro estava todo estropiado, com fraturas e escoriações compatíveis com uma queda brusca.

No ano seguinte, apenas durante a primavera e o verão (quase ninguém passeia ao ar livre no frio escocês), outros cinco cães se precipitaram de Overtoun Bridge. Anos depois, foi a vez de Cassie, uma springer spaniel, se atirar. A tutora Alice Trevorrow, disse mais tarde aos repórteres que estacionou o carro e não pôs a coleira na cadela porque ela sempre foi muito dócil e comportada.

Mas, enquanto Alice desembarcava com o filho, Cassie se tornou mais uma vítima. A tutora afirmou:

“Nós estávamos nos encaminhando em direção a Cassie, que olhava fixamente para a ponte. Ela não atendeu aos nossos pedidos e correu diretamente para se atirar. Eu tenho certeza de que ela viu alguma coisa que a atraiu. Foi uma cena horrível, que não sai da minha mente.”

Em 2019, Melissa e Robert Hill, atuais proprietários da Overtoun House, decidiram romper o tradicional silêncio britânico. O casal disse à imprensa que, em 17 anos vivendo no local, foram informados sobre algumas dezenas de casos de cães suicidas. Robert Hill arriscou uma explicação natural:

“Os cães chegam de áreas urbanas, cansados de ficar presos no carro. Eles querem se exercitar e saem correndo. É possível que eles fiquem desorientados com os rastros de martas e visons que vivem por aqui e acabam sofrendo acidentes.”

A explicação fornecida pelo casal não é muito convincente. É provável que eles queiram eliminar as suspeitas de uma causa sobrenatural, que atrairia uma multidão de curiosos, perturbando a paz e a tranquilidade da propriedade rural.

Um etologista escocês, David Sands, chegou a corroborar a explicação de Robert Hill, propondo mais uma hipótese: a copa das árvores poderia confundir os cães, fazendo-os imaginar que a ravina sob a ponte seria pouco profunda. O cheiro da urina de visons machos atrairia os animais, causando os acidentes.

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Ponte com bartizans decorativos

Mas um John Joyce, um caçador residente no local há 50 anos, afirmou para a imprensa que não há visons nem martas vivendo em Dunbartonshire. Um experimento da Sociedade Escocesa para a Prevenção da Crueldade contra os Animais colocou vasilhas com urina de ratos, esquilos e visons espalhadas na ponte e todos os cães foram atraídos diretamente para o cheiro do vison. A experiência, no entanto, não conseguiu explicar por que os peludos se atiraram da ponte.

O mistério permanece até hoje. Moradores da região chegaram a instalar placas advertindo os tutores sobre os riscos e orientando-os a manter os cães presos a guia. Os acidentes, no entanto, continuam ocorrendo esporadicamente. E, para completar a aura de mistério, aconteceu realmente um crime macabro na região.

Em outubro de 1994, o jovem Kevin Moy atirou o filho recém-nascido, com apenas duas semanas de vida, da Overtoun Bridge. Ele tentou suicídio em seguida, mas foi capturado pela polícia. O homem confessou o crime e disse ter matado a criança porque ela era “a encarnação do Diabo”. O local teria sido escolhido por estar associado, sempre de acordo com Moy, aos espíritos das trevas da época dos druidas”. Declarado inimputável, o assassino está internado em uma instituição psiquiátrica até hoje.

Em 2022, o mistério da Overtoun Bridge e suas atividades paranormais serviram como cenário e argumento para o filme “The Bridge”, dirigido por Christopher Wallace. O curta-metragem foi exibido por um curto período em algumas salas de cinema brasileiras.

03. Um deus com cabeça de cachorro

Na religião asteca, Xolotl era representado com a cabeça de um cachorro. Ele é irmão de Quetzalcoatl, a serpente emplumada, uma das principais divindades dos panteões mesoamericanos. No templo principal de Chichén-Itzá (México), no equinócio de primavera, uma sombra se projeta nos degraus: é Quetzalcoatl descendo a pirâmide e trazendo de volta a fartura dos dias quentes.

Xolotl, no entanto, está associado a sombra, a doença e a morte. Ele é associado ao planeta Vênus, que surge no céu no fim da tarde (a estrela Vésper) e no início da manhã (a estrela matutina). Para os astecas, Xolotl era o responsável por conduzir as almas dos mortos.

Diversos povos do México e da América Central consideravam que a condição de “condutor de almas” equiparava o valor dos cães e dos humanos nos sacrifícios oferecidos aos deuses. É por isso que o chihuahua, uma das primeiras raças adotadas para companhia, era também frequentemente oferecido para aplacar a ira divina.

No Dia de Los Muertos (dois de novembro), os mexicanos continuam reverenciando os deuses antigos, em uma festa que mescla tradições católicas e ancestrais. Os cães exercem papel ativo nas celebrações: eles têm o corpo pintado como um esqueleto e saem para as ruas fantasiados de “xolos”, mostrando que os mortos continuam presentes entre nós.

Em tempo: os antigos egípcios também reverenciavam uma divindade com cabeça de cachorro ou chacal): Anúbis, a representação da noite e, por extensão, dos perigos e da morte. Quando preparavam os cadáveres para a sepultura, os embalsamadores se vestiam com máscaras caninas.

Enigmas do cotidiano

Apesar de serem uma unanimidade em virtualmente todas as civilizações, os cães também são associados a alguns pavores do dia a dia. Em algum momento da nossa trajetória, por exemplo, nós passamos a ter medo dos cachorros grandes: um receio natural, já que os acidentes são bastante comuns.

Em algum momento da Idade Média, os europeus criaram o mito do lobisomem, um homem comum que se transforma em um híbrido com lobos, os ancestrais dos cachorros domésticos. A lenda foi trazida para a América, onde se fundiu com diversos outros casos. Até hoje, é possível encontrar pessoas com medo dos ataques da besta-fera.

Os cães também apresentam determinados comportamentos assustadores, que se tornam motivos para o surgimento de muitas crenças e superstições ou, pelo menos, de desconfortos para muita gente. Vamos conferir alguns exemplos:

• muitos cachorros ficam inquietos em cemitérios. A explicação mais provável é que eles sentem os odores dos corpos em decomposição, tanto que, em sepulturas de alvenaria, o comportamento não é registrado. Na crença popular, no entanto, diz-se que eles percebem a movimentação das almas que tem, no local, a última morada;

mistérios e enigmas com cães

• em locais pouco iluminados, como a zona rural e mesmo as periferias de muitas cidades brasileiras, qualquer vulto desconhecido é motivo para pânico. Muitas vezes, quando a Lua nasce e projeta sua claridade sobre os cães, surgem sombras aterrorizantes, como se os peludos assumissem identidades demoníacas. Muitos crimes já foram creditados a esses cães imensos transformados por um “feitiço da Lua”;

• os cães estão cobertos de razão quando demonstram medo de trovões e relâmpagos. Na natureza, uma tempestade é sinônimo de uma série de riscos: inundações, deslizamentos e incêndios provocados por raios, além dos banhos gelados. Em países como Panamá e Nicarágua, no entanto, o pavor demonstrado é um sinal de que os peludos estão sentindo a ira dos deuses. Uma superstição semelhante também é cultivada na Noruega e na Suécia.

Explicações para alguns mistérios caninos

Lendas e mitos à parte, a ciência vem conseguindo explicar boa parte dos comportamentos caninos. Quanto mais o conhecimento avança, menor se torna o espaço para entidades sobrenaturais, como fadas, elfos e duendes. Na verdade, é a associação entre algumas condutas com outros elementos que gera o pânico, tão bem explorado pelo cinema.

Quando um cachorro para e começa a uivar durante uma caminhada em um dia ensolarado, nenhum tutor suspeita de um motivo paranormal: o peludo apenas captou o odor de uma presa com o seu olfato extremamente apurado e está se preparando para a perseguição.

Mas, quando os uivos surgem durante a noite, sem motivo aparente, o nosso alarme dispara imediatamente, principalmente quando as vocalizações ocorrem durante uma ventania, uma tempestade ou como reflexo para o clarão súbito da Lua Cheia.

• Diagnóstico precoce: os nossos cães conseguem detectar algumas doenças apenas com o faro. Eles captam odores de substâncias produzidas pelo nosso organismo e compreendem que alguma coisa está errada muito antes que surjam os primeiros sintomas.

• Alterações climáticas: eles também são capazes de registrar alterações na pressão atmosférica, prenunciando temporais, ventanias e até tufões e ciclones. Com estas informações, eles reagem, buscando um refúgio seguro. Como diz a música de Ivan Lins e Vítor Martins, antes da tempestade, “bicho bravo se amansou, bicho manso ainda não parou”.

• Abalos sísmicos: não é exclusividade dos cães. Animais de várias espécies conseguem perceber vibrações mínimas no solo, que são indicativas de atividade sísmica: erupções vulcânicas, terremotos e maremotos. Em 2004, quando um destes eventos atingiu a Ilha de Java (Indonésia), muitos cachorros, gatos e animais selvagens, como orangotangos e elefantes, perceberam o perigo iminente e se refugiaram em locais altos. Os humanos deveriam ter acompanhado o movimento, que não tem nada de sobrenatural.

• A audição canina é igualmente excepcional. Por isso, eles podem ouvir o barulho de trovões a quilômetros de distância e começam a se preparar com alguma antecedência para uma forte tempestade. Os peludos tomam providências parecidas quando escutam fogos de artifício.

• Atividade paranormal: alguns especialistas afirmam que alguns cachorros conseguem identificar a presença de espíritos e outras entidades incorpóreas no ambiente. Esta investigação não faz parte do escopo da ciência, mas os pets são dotados de uma consciência primitiva capaz de fornecer dados sobre mudanças súbitas no ambiente. Nós perdemos estas habilidades com o avanço da civilização.

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