Zika vírus pode ajudar no tratamento de tumores em cachorros

Cientistas brasileiros testaram o zika vírus para o tratamento de tumores em cachorros.

Um grupo de estudo está usando zika vírus para tratar tumores malignos no sistema nervoso central. Três cachorros receberam a viroterapia, como parte de uma pesquisa para desenvolvimento de terapias eficazes. Os cientistas são ligados ao Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco, da Universidade de São Paulo.

O estudo foi publicado em março de 2020, na revista científica americana “Molecular Therapy”. A terapia não provocou efeitos colaterais nos pacientes, nem infectou as células cerebrais saudáveis dos cachorros, mas causou uma resposta autoimune do organismo, que levou à redução dos tumores.

Os tumores do sistema nervoso central de cachorros e humanos são em maioria malignos e quase sempre levam à morte. O encéfalo é protegido por uma membrana – a barreira hematoencefálica -, que naturalmente impede a entrada de substâncias estranhas.

Quando os órgãos do sistema nervoso central (SNC) desenvolvem tumores, no entanto, esta proteção também impede que a medicação empregada na quimioterapia tenha acesso, comprometendo as terapias convencionais. A barreira contraindica técnicas imunoterapêuticas.

As etapas da pesquisa

A primeira viroterapia para melanoma (câncer de pele) foi aprovada para estudos clínicos em 2015. Desde então, os cientistas vêm tentando identificar outros vírus que poderiam ser eficazes no tratamento de outras neoplasias.

O zika vírus já havia comprovado o potencial para atacar células cancerígenas em tumores no SNC. As pesquisas obtiveram resultados consistentes no tratamento de ratos e também in vitro, combatendo estes tumores em tecidos humanos.

Nos ratos, para o desenvolvimento (artificial) dos tumores, foi necessário tornar as cobaias imunodeprimidas, isto é, com o sistema imunológico enfraquecido. É a primeira vez que um estudo usa o zika vírus em pacientes com o sistema imunológico ativo.

De acordo com os protocolos científicos, antes de testar uma substância em seres humanos – os chamados ensaios clínicos -, é necessário avaliar a eficácia e segurança em organismos semelhantes ao nosso. É importante também verificar o desempenho da técnica em tumores naturais; no caso dos ratos de laboratório, os tumores no SNC foram induzidos artificialmente.

O método terapêutico

Os pesquisadores da USP relataram que os três cães empregados no estudo foram diagnosticados, através de ressonância magnética, com tumores cerebrais avançados. Os três animais eram idosos e desenvolveram as neoplasias naturalmente.

O zika vírus foi introduzido sob as membranas da medula espinhal. Um pequeno grupo de vírus foi inserido inicialmente e, depois de observação, foi introduzido um grupo dez vezes maior. Os cachorros foram mantidos em cativeiro durante todo o período de experimento, para evitar eventuais infecções.

Os resultados são promissores. Nenhum dos três cães apresentou efeitos colaterais, nem sintomas de infecção por zika vírus (que não afeta diretamente a espécie, mas poderia se tornar agente etiológico por ser introduzido diretamente no SNC).

As manifestações neurológicas do câncer cerebral (desorientação, agressividade, falta de apetite, comprometimento muscular, etc.) diminuíram em dois cães que receberam a primeira injeção da terapia. Um deles sobreviveu por 80 dias e outro, por 150 dias – em média, os cães vivem apenas de 22 a 33 dias depois do diagnóstico.

O terceiro animal também melhorou nos primeiros dias, mas, três semanas depois, teve comprometimentos cardíacos. Ele foi sacrificado, assim como os demais pacientes.

O tamanho dos tumores aumentou inicialmente – uma reação esperada de defesa do organismo, que envia células de defesa ao tumor por entender que se trata de uma agressão -, mas, depois de alguns meses, diminuíram sensivelmente (cerca de um terço do volume total).

A viroterapia funciona em duas frentes: na primeira, o zika vírus infecta as células do tumor e começa a se replicar (multiplicar), matando estas células. O segundo mecanismo é a ativação do sistema imunológico para a presença do tumor: a infecção gera uma resposta inflamatória e as células de defesa são direcionadas para combatê-la.

As partículas virais se fixaram na borda do tumor, não se espalharam para outras áreas do cérebro. Nem infectaram neurônios saudáveis. A pesquisa ainda precisa responder a diversas questões, mas abre oportunidades para o tratamento de cânceres atualmente considerados incuráveis em humanos e cachorros.

Por enquanto, a técnica conseguiu reduzir os sintomas clínicos da doença, a redução do tumor e o aumento da sobrevida – com maior qualidade, o que é extremamente importante.

A febre zika

Zika vírus é um micro-organismo que provoca febre. Ele é transmitido através da picada da fêmea do Aedes aegypti, o mesmo vírus que causa a dengue e a febre chikungunya, e também através do contato sexual sem proteção (oral, anal e vaginal).

Entre os humanos, a maioria dos infectados (80%) não manifesta sintomas, mas alguns pacientes sentem febre, irritações na pele, inchaço dos gânglios linfáticos (ínguas), dores de cabeça e nas articulaçõesm diarreia, náuseas, vermelhidão nos olhos e cansaço extremo. Os sinais surgem rapidamente e costumam desaparecer em cinco a dez dias.

Não há tratamento nem vacina para a febre zika. A terapia consiste em aliviar os sintomas e observar os pacientes, que devem permanecer em repouso. O medicamento mais comum é o paracetamol, para febre e dor. Anti-inflamatórios não esteroides, como o ácido acetilsalicílico e o ibuprofeno, devem ser evitados.

O vírus foi isolado pela primeira vez em 1947, em macacos na floresta de Zika, em Uganda. Poucos anos depois, surgiram os primeiros casos em humanos na Nigéria. Mais recentemente, a infecção foi relatada no Chile, Colômbia, Paraguai e Venezuela.

Estudos indicam que o zika vírus apresenta duas linhagens (cepas) diferentes. A cepa africana infecta predominantemente os macacos, enquanto a cepa asiática – uma mutação genética – atinge especialmente os seres humanos.

É possível que o zika vírus tenha sido introduzido no Brasil durante a Copa do Mundo FIFA de 2014. Outra hipótese é que ele tenha sido trazido por atletas da Polinésia Francesa, que vieram para uma competição de remo no Rio de Janeiro no mesmo ano.

Inicialmente, em função dos sintomas leves (em relação à dengue, por exemplo), o zika vírus não despertou muita atenção. A infecção chegou a ser descrita como uma febre mais branda e benigna e, além disso, ela não é transmitida por contato social.

No entanto, a febre zika prejudica gravemente os embriões em gestação. Mulheres expostas ao vírus no primeiro terço da gravidez, impedindo o desenvolvimento do bebê, que, em muitos casos, nasce com microcefalia (má-formação do cérebro).

O zika vírus também está associado, em poucos casos (menos de 2%), à síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune que se manifesta depois de infecções virais. O organismo passa a atacar os nervos periféricos, que perdem a bainha de mielina, um tecido adiposo que protege as células nervosas.

A degradação da bainha de mielina compromete as comunicações entre os neurônios, prejudicando a transmissão de informações. Os pacientes passam a sentir fraqueza muscular intensa, que evolui para paralisia e, em casos graves, pode colocar a vida em risco.

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