Será que os cães também sentem saudade? Para quem já conviveu com um destes pets, esta pergunta é desnecessária. Seja como for, a resposta é sim. Eles se ressentem da ausência dos tutores e percebem quando eles estão para sair.
Muitos de nós já sentimos o coração apertado ao sair de casa, da mesma forma que abrimos um imenso sorriso quando voltamos e somos recebidos com festas e evidentes demonstrações de afeto: é chegada a hora de matar a saudade. Mas por que os cachorros demonstram tanta tristeza nos momentos de despedida?
A saudade se agrava quando os períodos de ausência se tornam muito longos e os cães ficam entediados, sem nada para fazer. Por isto, toda ausência deve ser compensada: deixe brinquedos para os pets se divertirem. Um áudio com timer também pode reduzir a frustração que os cães sentem por não terem companhia: eles realmente acreditam que foram abandonados.
Os motivos da saudade canina
É sabido que os cães são animais gregários. Na natureza, as matilhas desenvolvem todas as atividades em grupo: caça, defesa, segurança, cuidados com os filhotes, etc. Em casa, eles reproduzem a mesma conduta: aparentemente, quando um membro da família se afasta, é sinal de que alguma coisa está errada.
Certamente, alguns pets desenvolvem um sistema de sedução – ou de chantagem – apenas para não ficarem sozinhos. Nestes casos, ceder às vontades dos cães pode ser causa de problemas maiores: os animais aprendem como conseguir as coisas (de forma errada) e acabam utilizando o mesmo truque nas mais diversas situações.
Em outras palavras, eles se tornam pequenos tiranos no universo familiar, fato que prejudica o relacionamento e impede que a parceria possa se desenvolver de maneira saudável e prazerosa. Estes cães sofrem quando não têm as suas necessidades satisfeitas e podem desenvolver condutas inadequadas.
A ocitocina
Em humanos e caninos, um hormônio produzido pela glândula hipófise superior, é responsável pelas sensações de bem-estar: é a ocitocina, também conhecida como “hormônio do amor”. A secreção deste hormônio é aumentada quando estamos perto de alguém de quem gostamos ou mesmo em um lugar que nos traz boas recordações.
Em geral, a ocitocina é produzida quando estabelecemos contato visual com os seres amados. Mas este hormônio também pode ser secretado quando sentimos aromas ou escutamos determinados sons associados a pessoas queridas. Para atenuar a saudade dos cães, pode ser deixada uma peça de roupa usada do tutor na sua caminha, por exemplo. Em casos extremos, uma gravação de áudio pode “atenuar a nostalgia canina”.
Um estudo conduzido pelo pesquisador americano Gregory Berns demonstrou taxativamente o aumento da produção de ocitocina. Um grupo de cães foi exposto a cinco cheiros diferentes: de um cão conhecido, de outro totalmente estranho, da família, de amigos e outras pessoas próximas ao núcleo familiar e, por fim, de pessoas desconhecidas.
O estudo revelou que os cachorros desenvolvem conexões afetivas principalmente com os seus tutores (em segundo lugar, ficaram os outros pets da casa). Pessoas relativamente próximas também despertaram a produção da ocitocina, mas apenas quando os cães estavam distantes da sua família por períodos de mais de três horas consecutivas.
Além disto, eletroencefalografias demonstraram que o cheiro dos tutores estimula a área do cérebro ligada às emoções e ao mecanismo de recompensa, localizado no córtex límbico. O simples aroma familiar foi suficiente para ativar os mecanismos do prazer, aumentando substancialmente a produção de dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer e à motivação.
Ansiedade de separação
Este sentimento é conhecido como síndrome da ansiedade de separação, também verificado no relacionamento entre mamães e bebês humanos. No caso dos animais, eles podem apresentar modificações profundas, como se tornarem destruidores e agressivos.
Na síndrome da ansiedade de separação, nossos pets podem roer móveis, destruir almofadas, tapetes e cortinas, escavar canteiros, comer sapatos, demarcar o território com urina e até arrancar roupas estendidas no varal. Nesta, condição, os cães podem escapar para a rua, expondo-se a uma série de perigos, como serem atropelados ou até mesmo sequestrados.
Punir os cães que exibem tais comportamentos não adianta nada. Ao contrário, quase sempre piora a situação. É necessário encontrar formas de entretê-los, para substituir as condutas inadequadas. Felizmente, cães são inteligentes e aprendem com uma rapidez incrível.
Em geral, a síndrome da ansiedade de separação afeta os cães de companhia, como os das raças yorkshire, maltês e lhasa apso. Eventualmente, cães de porte médio e grande também podem desenvolver a síndrome. No entanto, é preciso não confundir o problema com a hiperatividade característica de algumas raças, como cocker spaniels e huskies siberianos.
Estes cães são naturalmente mais agitados e podem não ser os melhores parceiros para pessoas pacatas e sedentárias. Apesar de ser um cão de trabalho, o husky pode ser bastante bagunceiro quando está de folga (no Brasil e nos dias atuais, praticamente o tempo todo).
Além do cocker spaniel, os cães das seguintes raças costumam exibir comportamentos exagerados. Além disto, eles são teimosos e é difícil fazer com que eles desistam de alguma coisa que queiram:
- beagle;
- dachshund;
- shar pei;
- afghan hound;
- rottweiler;
- jack russell terrier;
- dogo argentino;
- buldogue inglês;
- buldogue francês;
- terrier escocês;
- weimaraner.
A agitação e a teimosia são heranças genéticas destas raças e podem ser exibidas por cachorros de muitas outras, sendo menos frequente nos cães pastores e boiadeiros. De uma forma ou de outra, estes comportamentos não estão relacionados à ansiedade nem à saudade.
De volta à saudade
Nosso dia a dia tem sido cada vez mais corrido. Nós ocupamos muitas horas por dia para pegarmos nosso lugar no futuro, sermos bem-sucedidos, conquistarmos um lugar ao sol. Muitas vezes, estes desejos se tornam verdadeiras obsessões, mas o assunto aqui é a saudade dos cães, e não dos humanos.
Afinal, nós decidimos o ritmo do nosso cotidiano e o nível de pressão que conseguimos aguentar (e controlar). Nossos cães, não. Eles simplesmente não conseguem entender por que passamos tantas horas ausentes de casa, quando quase tudo está justamente ali, ao alcance da mão.
A saudade e a ansiedade de separação, contudo, podem estar relacionadas a este ritmo frenético que adotamos, especialmente quando vivemos sozinhos e precisamos de uma válvula de escape. Neste momento, adotamos um cãozinho. É preciso estar atento para que ele não seja encarado apenas como uma muleta psicológica.
Mas, é preciso notar que, se o novo membro da família é um excelente companheiro para os momentos de solidão, a recíproca precisa ser verdadeira: os pets também têm necessidades e vontades e a parceria precisa ser benéfica para as duas partes.
Afastamentos necessários
Em algumas situações, no entanto, nós precisamos nos ausentar. É preciso trabalhar, estudar, sair com amigos, “ganhar a vida” – inclusive para comprar rações, brinquedos e pagar as despesas médicas dos cãezinhos. Eles não sabem, mas dinheiro não cresce em árvores.
A situação é muito semelhante à de um bebê que percebe a ausência da mãe. Aos seis meses de idade, uma criança pode sofrer muito com o simples afastamento do berço. Com o tempo, tornando-se mais independente, a criança desenvolve outros mecanismos e deixa de sentir saudade – pelo menos, aquela saudade que frustra e paralisa.
Com os cães, pode acontecer o mesmo, desde que eles possam se ocupar em outras atividades quando estão sozinhos. É importante lembrar, mesmo assim, que eles sempre serão dependentes dos tutores e nunca conseguirão entender plenamente as ausências.
A presença de outro animal de estimação deve ser estudada; afinal, dois cães (ou um cão e um gato) certamente encontrarão mais coisas para fazer juntos enquanto esperam a volta dos tutores.
É importante que os pets se acostumem com este vaivém. Uma boa dica é não dar atenção excessiva às festas e brincadeiras ansiosas que eles podem externar no retorno da família. Aja sempre naturalmente: afinal, isto faz parte da rotina e eles precisam se adaptar a isto.
No caso de viagens, o ideal é deixar os cães com amigos ou parentes ou hospedá-los em um hotelzinho para cães. Antes do check-in, porém, certifique-se da idoneidade do estabelecimento e confira as instalações: os pets precisam de espaço para se exercitar, brincar, dormir sem interferências e, claro, muita atenção por parte dos anfitriões.
Saudade eterna
Ainda que de forma mais mitigada, os cães também sentem saudade de seres que já não estão mais entre nós, sejam humanos, sejam outros pets com quem conviveram e de quem guardam boas recordações. São comuns as histórias de cachorros que continuam esperando os tutores, esperam-nos em horários e locais específicos (na volta do trabalho, por exemplo) e até mesmo permanecem longos períodos juntos a túmulos, faça chuva, faça sol.
Com relação a outros pets, a saudade é real, quase palpável. O afastamento pode não ocorrer apenas pela morte do companheiro: em muitos casos, por diferentes razões, é necessário afastar um cão ou gato do convívio familiar.
Vale lembrar que o mesmo não acontece na separação de cadelas e as suas crias, já que se trata de uma condição natural: as mães, depois do desmame, desapegam-se dos filhotes e seguem as suas vidas. Nos primeiros dias, elas podem procurá-los, mas logo se acostumam às novas condições de vida.
O luto dos cães, em um primeiro momento, pode se manifestar pela recusa de brincar ou de se alimentar – ou, ao menos, reduzem a quantidade de alimento ingerido. Eles passam a maior parte do tempo deitados ou envolvidos em muito poucas atividades.
Em alguns casos, os cachorros podem desenvolver doenças psicossomáticas (quando a origem do mal é emocional, mas se reflete no corpo físico). As dermatites são um exemplo: o excesso de lambeduras (atividade comum a cães inativos) provoca descamações e problemas na pelagem.
A dermatite acral é determinada pelas lambeduras compulsivas, às vezes complementadas por mordidas de média e grave intensidade. A afecção ocorre principalmente nas pernas traseiras e pode chegar à formação de feridas. Lamber-se sem parar faz com que a região fique inflamada. Os folículos pilosos e as glândulas apócrinas (responsáveis pelo suor) se racham e tornam-se propícios para infecções bacterianas.
A enfermidade pode gerar ulcerações avermelhadas, que podem exsudar (excretar suor e outras substâncias). Em alguns caso, o cão afetado pode ter de usar um colar elisabetano durante o tratamento (que pode incluir medicamentos antidepressivos, sempre com a orientação do veterinário), para não atingir as regiões lesadas.